Chegou ao café, sentou-se na mesa mais afastada, que se situava ao fundo, no canto do estabelecimento com janelas. O serviço ali era demorado então, aproveitou e pôs em cima da mesa tudo o que precisava, caderno e caneta, telemóvel em silêncio (como o gostava de ter) - por estas suas características já era conhecida por "Nunca atender o telemóvel", "Não ver as mensagens", "Não estar atenta ao WhatsApp, quando a tentaram contactar". Até já lhe tinham perguntado porque teria um telemóvel se raramente pegava nele. Um dia deu-lhe na cabeça e resolveu suspender todas as aplicações que tivessem redes sociais, não gostava de ser incomodada, sabia que publicava despretenciosamente e só o facto de se sentir obrigada a ver os milhões de publicações que lhe apareciam, desgastavam o seu cérebro. Assim o fez, durante um mês e meio. Quando voltou, parecia que tinha caído de paraquedas em algum lugar estranho. Mas a estas estranhezas já estava acostumada, apanhar as coisas a meio, observar algo passar, não se sentir integrada - era completamente normal para ela - até que gostava, ser a estranha, a forasteira. Se assim não o fosse, fazia para o ser, não gostava de convencionalismos, que as pessoas se habituassem a ela, preferia passar nos bastidores, não criando expectativas a ninguém. Gostava de passar despercebida.
Começou a escrever, tirar notas e reflexões avulso que passavam na sua cabeça, gostava de estar ali no canto, sozinha, o tédio fazia-lhe bem - era na solidão que encontrava as melhores respostas. Sempre assim o fora. Observava a rua lá fora, através das grandes janelas do estabelecimento, as pessoas que passavam na correria. Nunca foi muito boa em entender como se conseguia viver sempre a correr, sem tempo para pensar, estas fugas não se ajustavam a ela, causavam-lhe stress. Daí, quando tinha algo para fazer, fazia-o na hora ou então não pegava mais no assunto. Estava nessa fase, em que tinha que fazer algo, algo que tinha um prazo de uma semana e meia para apresentar, então, focou-se e todo esse trabalho saiu completo numa manhã. E é claro, durante a semana e meia que tinha para trabalhar no assunto, ficou com a sensação que se esquecera de algo. Para preencher esse vazio fazia o que melhor sabia - pintava, construía uma tela e logo, esse esquecimento passava - esquecia-se do esquecimento. Novos pensamentos surgiam, novas ideia se soltavam, preferencialmente assim, espontâneas e mesmo sem nexo - sabia sempre molda-las para criar novas ideias. Sabia que havia coisas que não requerem explicação, o imaginário completa.
Um dia disseram-lhe que era inspiradora e, recatada e envergonhada como era, não entendeu o que a pessoa lhe queria dizer. Sabia desde nova que pessoas inspiradoras são sempre alvo de criticas, muitas vezes sem fundamento. Pessoas inspiram-se em tudo, para ela, não funcionava bem assim... as suas inspirações eram outras, havia sempre uma outra coisa, um ponto que ninguém tinha visto, um detalhe que passava despercebido, algo que não era falado, e era essa pequena situação, que a inspirava e a impulsionava todos os dias a criar, até um pouco de forma obsessiva. Se se sentia inspiradora, não, sentia-se alguém completamente normal, apenas abordava assuntos e fazia as pessoas raciocinar, sabia conversar. Era isso ser inspiradora? Para ela, não nem tinha pretensões a tal façanha, inspirar só o ar. Era algo expectável, isso era viver.
Irina Marques
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