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Foto do escritorIrina Marques

Recolhimento e acolhimento

Atualizado: 12 de out. de 2022

Chegou o Outono

entrou de mansinho

devagarinho e nem bateu à porta

não vi os seus sinais

apenas as folhas lá fora

vestiram-se de outra coloração

começaram a sua mutação

e o ar...

começou a modificar

o calor deu espaço ao frio

visto um agasalho

e ponho-me a sonhar

viajo nos mares imaginativos

e contemplativos para me acalmar

começo a hibernar

perco o poder de falar

adormeço o meu pensamento inquieto

escondo-me dentro das minhas limitações

sei que elas requerem ações

mas refugio-me nas contemplações.


Cada vez que falo pouco som emito

guardo em pequenos compartimentos

histórias que ficaram por dizer

sou ser de dualidades

vai-se lá perceber.

Coragem não me falta

mas quando não recebido

me faz recolher

até perceber que estava no local errado

segui contracorrente

e novamente recomeçar

todos os dias me inspirar

e não pensar na condição existencial

do meu ser

abrigo-me para não arrefecer.

É tempo de recolher.


Todos os dias escrevo poesia, ela é feita na hora, nunca é pensada de forma a como a estrutura vai soar melhor ou, onde está o erro. Apenas escrevo para me libertar, para libertar as emoções que tenho contidas. A minha cabeça é feita de poesia e histórias logo, escrever para mim não é complicado - complicado é, entender o meu tumulto sentimental. Desde nova que carrego uma forte componente imaginativa e nunca me senti à vontade de a expressar ao público, aos poucos tenho conseguido me libertar um pouco mais graças ao novo grupo onde estou inserida que é composto por músicos, actores, fotógrafos, poetas, escritores, ilustradores e outros artistas, aqui sinto-me integrada, aqui sinto-me compreendida e sentida, pois o grau emocional é similar. É incrível estarmos a trabalhar em conjunto para que outras pessoas se possam sentir acolhidas também com pessoas heterogéneas, aprendemos tanto.


Quando referia que o meu imaginário era impulsionado a criar, constantemente criar poemas, pintar, escrever um amigo pertencente à música dizia que passava pelo mesmo processo, mas no campo musical - a sua mente era composta por notas e harmonias entre si, criação de composições e adorava improvisar. Ser sensível, não era erro nenhum faz parte da criação.


No dia em que pus um pé no palco para ler um excerto do meu livro Labirinto do Sentir, senti-me completamente nua, foi como caísse num grande vácuo, sempre odiei ter luzes apontadas para mim e ser centro das atenções. Ao mesmo tempo senti-me acolhida, lembrei-me dos tempos que andava no teatro e projetei a minha voz - expressei-me, e qual foi a minha surpresa em sentir que os meus colegas bateram palmas e gostaram. Foi um sentimento gratificante que já não sentia há muito. Aos poucos os medos ficam para trás e novas construções seguem caminho. Sentir que alguém gosta ou "sente" os meus sentires é um pouco gratificante especialmente tendo em conta que eles nunca deveriam ter visto a luz do dia.


É tão diferente quando faço exposições de pintura e quando tenho que escrever, as primeiras não me sinto muito desnudada, até sinto que me agasalha - como que enroscada num cobertor quentinho, já as segundas sinto frio em todos os poros da minha pele. Agora eu sei que determinados caminhos tinham que ser seguidos para chegar onde me encontro presentemente e sei, que de hoje para amanhã estarei noutros lugares...


Aqueles que passam por nós

não vão sós, não nos deixam sós

deixam um pouco de si

levam um pouco de nós.

(excerto sempre actual)


"O Principezinho"

Antoine de Saint-Exupery


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