Acordas e são oito horas da manhã, lavas a cara, fazes a cama, cuidas dos teus gatos, vais tomar o pequeno almoço, chegas a casa e preparas o teu café, colocas na chávena habitual e rumas em direcção ao escritório. Vais buscar os teus cadernos de anotações dos últimos meses inclusive o que trouxeste da tua viagem e fitas todas aquelas palavras, frases que surgem à superfície das folhas. Finalmente tens a capacidade de olhar para toda aquela amálgama de material em bruto e tentas construir algo com esse mesmo material. Pensas que por mais profundo que seja o mergulho à superfície só vem aparentemente o superficial, o emocional é, deveras, difícil (de)screver, contudo tentas.
Ligas o teu computador e escolhes a pasta de ficheiros. Como banda sonora para melhor concentração uma música suave, para te acalmar de todo o mar de agitações que tiveste nos últimos dias, uma música de chillout parece-te bem apropriada.
Então, começas a escrever - primeiro timidamente - porque andaste a procastinar tanto tempo que até parece que não sabes nada da arte. Colocas em dúvida se o deves continuar mas algo interno te diz que sim que sempre foi assim desabafaste, confessaste, contaste, narraste, fantasiaste, lembraste, imaginaste, viveste e sobreviveste. E que no dia em que abafaste esta tua componente algo em ti mudou. Sentes saudades de escrever naquele teu cantinho longe da multidão onde não se passa nada, sabes que não és observada.
Aos poucos precorres o abecedário e o dicionário e formas frases incompletas - há sempre algo a acrescentar - durante o tempo que te afastaste houve uma contenção de acontecimentos que agora querem explodir nas tuas páginas. Nós paramos mas o mundo não sente a nossa falta, ele continua a girar. Pões de lado a tua comunicação inquietante - mas sempre com ela ao teu lado - e dedicas-te aos quotidianos. Sabes que precisas de escrever é como respirar - contar e retratar aquilo que não falas: emoções, traumas, viagens, dia a a dia, construções artísticas, o registo tem que continuar... A folha guarda os teus segredos.
Quotidianos
Irina Marques
Comments