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Foto do escritorIrina Marques

Conversas Artisticas

Atualizado: 23 de mar. de 2022

Naquela tarde, Érica, não podia imaginar o que aquela viagem lhe iria reservar. O tema da feira que foi visitar era “Uma viagem medieval” portanto dentro dessa temática passeava-se por um mundo à parte, um imaginário que a transportava a um universo de castelos, cavaleiros, damas da corte, raparigas do povo, agricultores, pessoas a cavalo e em burros, videntes e bruxas, tudo o que a idade média lhe poderia oferecer.

Passeava entre pequenas tendas dispostas lado a lado umas com as outras e identificava vários comerciantes que vendiam as mais variadas coisas, dentro da temática: gastronomia, bebidas e doces conventuais, roupas, especiarias, objetos supersticiosos, decoração, joalharia, todas e mais as diversas utilidades que se poderia imaginar.

Erica gostava daqueles ambientes, faziam-na viajar no tempo, retirar ideias, viver aquele ambiente para poder criar. Era uma artista amadora, aspirante a artista plástica, ainda sem grandes trabalhos para mostrar nem coleções, tentava seguir a sua vocação, ela sabia, que o universo criativo e artístico era a sua natureza. Desde muito nova que seu espírito rebelde e sua personalidade lhe diziam que esse seria o caminho a seguir, e quando lutava contra essa natureza via-se em grandes crises de angústia onde era atingida por depressões, esgotamentos e sentimentos de inutilidade profunda. Deixou de lutar e, assumiu o comando da sua vida, mesmo que esse se demonstra-se um caminho difícil, sabia que era melhor lutar contra dificuldades externas do que internas, destas últimas, criaria sua arte.

Pelas várias tendas que ia percorrendo, algo ao longe captou a sua atenção, não sei se pelo facto de ser um lugar mais iluminado ou se por se encontrar mais afastado das tendas colocadas lado a lado umas das outras. Foi ao encontro desse espaço, que podia aos poucos identificar como um lugar onde estavam expostas telas e quadros. Um espaço artístico, só podia ser o ambiente de um pintor, longe das multidões bem afastado, onde conseguia criar, ter espaço para sua arte fluir.

Ao aproximar-se do local reparou que esta não era uma tenda como as outras, possuía um espaço para venda de obras e um outra para a criação das mesmas. Os seus olhos foram ao encontro imediato do espaço de trabalho, das tintas e pincéis que estavam a ser utilizados e nem tanto do trabalho que estava a ser vendido.

O que suscita curiosidade em Érica, não era tanto o produto final, mas a técnica de elaboração. Olhou em volta e viu que o artista tinha deixado seu material espalhado, não se encontrava no local, um foco luminoso direcionava-se para a obra que se encontrava a executar, uma pintura a óleo, o seu cheiro característico e brilho não deixava qualquer margem para dúvidas.

Erica, facilmente se distinguia das pessoas em seu redor, enquanto a maioria era atraída para a tenda onde as obras eram vendidas, ela, por sua vez, movia-se para o espaço onde elas eram criadas, local onde ninguém se encontrava. Na tela, a secar, conseguia ver os traços e detalhes de sua composição. Só depois é que se dirigiu à tenda para ver o que o pintor tinha a vender. Achou muito interessante a forma como ele a tratava as telas, a pintura era fluida, rápida e precisa com tonalidades coerentes e decisivas. As suas obras variavam entre naturalismo e abstração e sua palete de cores era das mais diversificadas, tanto no uso de cores fortes como em ambientes mais difusos. Uma coisa tinha certa, apesar de não ser o seu tema preferido, o artista que as compunha sabia o que estava a fazer.

Não tardou muito até uma silhueta vestida de túnicas brancas se aproximasse dela.

– Gosta? – Perguntou a silhueta.

Érica, virou-se e deparou com uma pessoa vestida de acordo com a temática da feira, uma túnica branca padronizada com umas calças largas da mesma tonalidade, um homem com os seus cinquenta anos de cabelos brancos, olhos castanhos e com a barba feita.

– Gosto bastante. Apesar de não fazer parte dos meus gostos pessoais a tipologia de ambiente tratado, quem realizou tem uma técnica incrível. – Respondeu.

– Fico-lhe muito agradecido! Sou António Lopes e a menina?

– Erica.

– Já faço estas pinturas à muitos anos, desde 1976 que comecei a trabalhar nelas. Tirei o curso de Belas Artes na Faculdade do Porto e desde muito cedo que experimento técnicas, a pintura a óleo fascina-me.

– Eu gosto muito de observar como os pintores tratam as telas e usam as suas técnicas. Sou apenas uma aspirante a artista, sem grande formação, comecei apenas a dar os meus pequenos passos na área à dois anos. Não tenho qualquer formação, segui apenas História da Arte mas antes de entrar no meu curso tive formação em artes, e era o meu sonho ter seguido essa vertente.

– E porque não o fez? – Questionou o Sr. Lopes.

– Não tinha média para entrar, pediam valores muito altos e confesso que também não tinha possibilidades. Era um curso que exigia muito gasto de material e um grande investimento. Como não pude seguir estas artes, fui estudar o que os artistas faziam, já viu? – Erica, esboçou um pequeno sorriso.

– Para ser artista não é necessário seguir um curso. Na faculdade apenas lhe vão ensinar as técnicas e fazer treinar muito para que tenha um olhar e perceção diferente das coisas. Repetir muitos desenhos, treinar novas abordagens, ser rápido e preciso. Mas quantos artistas possuem estas características e não seguiram qualquer curso. A arte é…

– … sentimento, palavras que não escrevemos mas exprimimos de outra forma. – Concluiu Erica.

– Ora, nem mais! Podemos ser mais ou menos rápidos a criar uma obra mas não é isso que vai definir arte.

– Creio que não, mas quem sou eu para conseguir fazer essa definição?


(…)


A conversa durou uma hora. Onde foram levantadas inúmeras questões, sobre o que é a arte, quem são artistas até mesmo à identificação de quais os melhores materiais e marcas para pintar. Nesse dia, Erica, acrescentou um pouco ao seu conhecimento, colocou questões e aprendeu novas perspetivas. Foi, sem dúvida uma conversa muito interessante que teve com aquele pintor. Onde ambos partilharam opiniões e gostos e daquela conversa viria a surgir uma amizade para ambas as partes.

– Irina Marques

© texto ao abrigo da lei de copyright

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