top of page
Foto do escritorIrina Marques

Criar

Criar algo a partir do zero não é fácil, dizem-me, mas para mim, sempre foi.


Nasci filha única, logo, tive que criar formas de me ocupar enquanto sozinha, na altura, surgiram narrativas e histórias que contava a mim própria. Não havia intervenientes, estava tudo na minha cabeça. Facilmente, criava situações hipotéticas, criava diferentes desfechos e assim, que aprendia ou via algo novo, criava novamente com esse novo conhecimento.


Já na pintura, o processo era semelhante mas inverso. Primeiro o desenho ou simbologia era criada e só depois, passado algum tempo, é que conseguia entender a narrativa em que nela estava envolvida, daí surgiam as reflexões.


Sempre tive algo que nunca entendi, hoje compreendo melhor, pensamento divergente - tenho a tendência de facilmente contrariar aquilo que o meu pensamento me envolve - mas, o que para muitos é algo a valorizar, para mim foi algo que só com o tempo é que me consegui entender. É que estas divergências estão presentes em todos os aspectos da minha vida, inclusive nos meus pensares que facilmente entram em desentendimentos.


A determinada altura da minha vida e porque adorava escrever, comecei os meus diários - na altura era algo de vergonha, não dizia a ninguém que os tinha - era uma romântica a escrevê-los. E até à bem poucos anos tinha receio de falar deles. Romântica, sonhadora, utópica... assim sigo. Habituei-me, mas o meu pensamento divergente tende a contrariar esta tendência e dizer que não o sou - logo, passo a não o ser. A vida é bem mais dura do que aquilo que criamos na nossa cabeça.


Portanto, papel e caneta eu escrevo um romance - bem trágico - uma história ou uma narrativa - lúdica. Complexa ou simples. Não sou iludida por filmes de Hollywood nem histórias de princesas e o cor de rosa é substituído pelo vermelho (esse sim, corre-me nas veias).


Mas apercebo-me que se necessitar de escrever um documento cientifico, baseado em factos reais, com componentes de investigação faço-os com a mesma facilidade que escrevo outros artigos quaisquer. Claro está, que há coisas que se gosta mais de escrever do que outras e assuntos que nos sentimentos mais à vontade que outros - como tudo na vida, dá-se o passo e caminha-se.


As pinturas sempre me acompanharam, contudo, tudo o que desenhava, dava a outras pessoas, nunca ficava com o que produzia. Já os textos, guardava-os a sete chaves, ninguém os lia (e ainda hoje estão bem guardados). Hoje em dia vejo os textos de Fernando Pessoa, nas suas cartas de amor, eu possuo as minhas mas nunca irão ver a luz do dia como as dele - embaraço, talvez, publicar algo tão íntimo, ponho-me cá a pensar se era uma coisa que o poeta gostaria de as ver assim, o seu interior para leituras ao público? Não me vejo livre delas porque sei, que nunca serei alguém de interesse, de facto sou mesmo, uma pessoa bem aborrecida. Vida comum, situações banais, dia-a-dia a correr nas suas correrias como qualquer uma outra pessoa e estou longe de ser uma pessoa intelectual/inteligente (até porque me falta conhecimento de inúmeras coisas na vida), simplesmente vivo. E da vida retiro ensinamentos.


Quando me fartei dos diários, passei para as correspondências de cartas, e como as gostava de enviar as e receber. Cada vez que formava amizades, fosse nas férias, fosse em turmas que depois já não frequentava, ficava sempre com a correspondência e morada dessas pessoas. Muitas cartas foram trocadas, algo que conservo com carinho ainda hoje, mesmo após anos passados as pessoas já não serem as mesmas. Existe uma ideia sobre quem eram/foram para nós.


Criar... pegar numa folha em branco, ou outra cor qualquer e preencher aquele vazio com cores, linhas, narrativas - onde por trás de cada arte, existe uma história.


Ainda hoje me deparo com esses períodos de solidão e vazios, quando assim é, a minha imaginação começa uma construção para depois teimar e reformular, desconstruir e voltar criar.

Comments


bottom of page