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Foto do escritorIrina Marques

Devastações, a obra

Atualizado: 1 de jul. de 2024


Devastações, Acrílico com jornal sobre tela, 70 x 50 x 2 cm, por Irina Marques


Durante muito tempo estive com bloqueios criativos, muito devido ao sismo que senti em Marrocos no dia 8 de Setembro de 2023. Aos poucos os meus bloqueios têm vindo a ficar para trás. Esta, não é uma obra para se gostar.

Criei esta obra "Devastações" inspirada nesse dia, nas lembranças, no sentimento, em tudo o que envolveu.

Deixo aqui o registo de como senti o sismo, foram apontamentos retirados no dia a seguir, sem correção ortográfica.



"Infelizmente estive a 80 km de um grande terremoto de 7.0 na escala de Richter que atingiu e abalou todo Marrocos. Estava a escrever para aqui, a anotar, a relatar a minha viagem quando entre barulhos de cantares no exterior, arrastar de mesas em cima do nosso quarto, algo diferente, muito diferente se sucedeu. A cama começou a tremer, objetos começaram a cair no piso superior, tudo começou a mexer e agitar. Levantei-me num ápice sem saber o que estava a acontecer à minha volta, tudo estava a mexer e cada vez mexia mais e mais e intensificou-se de tal maneira que causou o pânico queria sair a correr do quarto, tudo ia cair em cima de nós. O Marco, levantou-se e tentou-me acalmar, estávamos debaixo de um terramoto horrível - hoje fiquei a saber que foram 20 segundos mas na altura pareceram 5 agonizantes minutos. Temi pela minha vida, temi pela vida da minha mãe e do Marco, comecei a tremer de nervos - ainda sem acreditar no que estava a presenciar! Por baixo da porta do nosso quarto só gritei as palavras "EARTHQUAKE IT'S AN EARTHQUAKE” havia mais pessoas no riad, estávamos todos em pânico. O tremor intensificou e pensei “Vou ficar por aqui, acabou” - ligeiramente a terra deixou de termer e o chão pareceu se estabilizar. Nunca parece estabilizar, o receio de que a qualquer altura tudo volte a agitar de novo. Mas entre esse receio resolvemos vestir e descer as escadas, inicialmente ia com a roupa que tinha no corpo mas o Marco disse para eu me vestir, e foi o melhor que fez porque não sabíamos o terror que nos aguardava lá fora. Na mochila, rapidamente colocamos os passaportes e todo o dinheiro que tínhamos, trouxe um lenço para tapar os ombros, vesti umas calças por cima dos calções, as sapatilhas e descemos as escadas. No piso inferior ao nosso, estávamos no primeiro e descemos para o rés de chão cheirava a terra e encontravamo-nos todos abalados, sem saber o que se passava, o casal que estava hospedado no rés do chão já se encontrava no hall. Abrimos a porta do riad e lá fora, algo quase que impossível de descrever, algo que só sentido... por todo o lado, terra a pairar no ar, pessoas passavam a chorar, a gritar e no chão barulhos de pedras e mais pedras e pessoas a passarem por cima de pedras, um homem a passar ensanguentado - o caos e o pânico como nunca tinha sentido na minha vida. Em volta do nosso riad edifícios inteiros desabaram. Deslocamo-nos para uma zona mais ampla, pela rua que levava ao riad e ficamos ali, durante o percurso vimos o rastro de destruição que o tremor de terra trouxe. Quando chegamos à zona ampla as pessoas começaram a descer para uma praça, estava toda a gente aflita, a chorar pairava no ar terra e o cheiro era intenso. Ficamos ainda um tempo aí onde dois portugueses que estavam hospedados no mesmo riad que nos foram ter conosco com as malas feitas, queriam-se ir embora. Viemos cá para fora porque não sabíamos se a qualquer momento poderia haver réplicas. Mais tarde o funcionário do riad aconselhou-nos a ir para a praça mais ampla. Foi uma aflição passei por alguém que se encontrava gravemente ferido deitado, senão morto, no chão da praça, as pessoas empurravam-se para o centro com medo de os edifícios desabarem, um senhor avisou-me que lá no meio havia uma palmeira torta que poderia cair. Muitos destroços pelas ruas, partes de casas colapsaram outras, apresentavam rachadelas e ainda algumas desmoronaram. Estavam inúmeras pessoas em desespero, a chorar, algumas agarradas a cobertores, pessoas feridas que tinham vindo para a rua como conseguiram, abandonaram as suas casas e deixaram tudo para trás o medo, o pânico, a aflição tomou conta de todas as nossas emoções. Não é fácil explicar o que se passou, porque qualquer coisa escrita não terá nem uma grama do peso da situação experienciada, foi catastrófica. Ficamos das 23.30h até às 3 da manhã na rua, ao frio, com medo que pudesse ocorrer outra réplica a presenciar e a viver na maior (sur)realidade possível. Conjecturou-se, ouviram-se notícias falsas, o caos estava instalado nas pessoas fragilizadas, algumas já sem casa. Às 3 voltamos ao riad para trazer roupa quente e mantas para nos cobrirmos, e ali dormimos, ao relento, nas ruas de Marraquexe com inúmeras pessoas que haviam experienciado a mesma tragédia. Às 6 horas, voltamos para o riad e tentamos descansar mas o medo pairava sobre nós. Durante todo este tempo uma frase pulsava constantemente em mim "Oh meu Deus! Isto não nos está a acontecer!"


Por Irina Marques




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