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Foto do escritorIrina Marques

Ilhas

Relato feito por Sabrina, quando se encontrava na ilha:


"Coloco os meus headphones e começo o a preparar a minha obra. O ruido distraí-me e quando o ruido se torna imenso sempre preferi ir para um local onde conseguisse encontrar os meus pensamentos. Já tentei a cave do meu apartamento, mas os carros entravam e deixavam o cheiro de poluição, o sótão mas os pássaros pousavam lá e não cantavam mas barafustavam uns com os outros.


Resolvi então fazer um retiro, ir para a zona mais próxima ao mar. Aqui tudo chega com mais tranquilidade e a um ritmo mais lento. Este espaço é meu, sinto os pés na areia, contacto a terra e observo o céu.


Há medida que a obra começa, a vida terrestre começa a tomar forma, mas eu não acredito nas marés e continuo com os meus headphones, apenas a criar. Dizem que as marés são compostas por ondas, a sétima é a mais forte, quem me disse foi o Sr. Gustinho o pescador. Aprendi muito com as gentes.


Há noite no silencio, paro e olho as luzes, parecem pequenos focos de incêndios aqui e acolá, olho para as minhas mãos e começo a pensar que elas também têm carvão, dos desenhos produzidos a lápis, tenho uma parte de responsabilidade pela obra mal concretizada. Mas logo deixo de olhar para esses focos e o meu olhar move-se para cima, contemplo as estrelas. Elas piscam dão sinais e é lá que se encontram as minhas lendas, motivo de este ou aquele olhar. Como o universo é vasto...


Sei que a maré vai subir, e eu, mantenho os pés na terra, naquele pedaço mais elevado, não quero molhar os pés nem sempre consigo os secar, várias vezes o fiz e apanhei uma constipação. Fico sempre com receio da sétima onda, essa que me molha toda, leva todas as minhas obras e afunda-me no oceano. No fundo, sou apenas mais uma gota na imensidão.


Agora observo a minha obra, aquela que trabalho dia e noite, ela toma forma e ao longe consigo ver sinalizações que está tudo a ir no bom caminho, mas este caminho já o percorri diversas vezes e sei, não são mais que sinalizações. Porque os meus olhos não olham os sinais dos outros olhos, quantas vezes já os esfreguei, poderia estar enganada, poderia alucinar, assim prefiro estar calada. Sei que a voz dos silenciosos são as que mais doem, não é preciso passar a vida inteira para, nem a viver para saber do silencio. Silencio que ceifa vidas.


Olho para os meus pés, na areia, ali fixos, será que eles começaram a fazer cova de lá estar tanto tempo? O tempo que nos transforma em pedras, rochedos de tempo. Já não interessa, já nada mais disso interessa.


O som do mar, das gaivotas, do vento querem-me levar para longe, novamente observo o céu, durante o dia o sol queima, há noite faz frio. Vida e estas intempéries, nunca estamos bem, mas tudo é passageiro.


Existe um percurso, uma bagagem ás quais se não aliviarmos seu peso elas tornam-se mais complicadas de as carregar. O meu percurso encontrou-se escrito em pedras que sofreram a erosão do tempo, perderam formas e significados, foram levadas para outras construções, de casas. O que era antigamente um corpo, digamos, uma penedo, agora é uma pedreira.


Se antes olhava pela minha janela e acreditava que me movia muito devagar, agora observo que talvez tenha lá chegado primeiro. Onde? Não sei."


Breves contos

© Irina Marques


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