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Foto do escritorIrina Marques

O Caminho - Apontamentos da jornada

Atualizado: 5 de jul. de 2022

De 13 a 22 de Maio, 2022.


“O caminho não é apenas um caminho, é uma jornada pessoal, única, é um paralelismo sobre a vida e o encarar de situações. O caminho é único e próprio. Acompanhada ou sozinha, não há experiências iguais, cada pessoa lida com a sua, da forma que sabe. Uma aprendizagem e conhecimento de saber até onde podemos ir, como ultrapassar medos e bloqueios, um conhecimento profundo sobre nós e quem/o que nos envolve. Um profundo recolhimento e meditação a um nível nunca antes experienciado.”



"Após tanto tempo de conversa com o teu interior, chegas a um acordo. Fazes as pazes com o teu passado, aceitas a tua sombra, acolhes e tomas conta dela - numa fusão inteira - aceitas-te como és, o que te levou até ali. Então, todos os arrependimentos viram experiências, todos os momentos menos bons viram uma composição de ti, todos os bloqueios são desmanchados porque sabes que as coisas eram assim que tinham que correr para chegares ao presente, e chagaste ao presente, onde te encontras. No caminho, encontras todos esses obstáculos que te poderiam fazer desistir a qualquer momento, mas a tua determinação e força de vontade, aliam-se à tua mente, e tudo acaba por se resolver com maior ou menor dificuldade. Encontras a tua força onde menos esperas, mas ela está lá, guarda para quando chamares por ela."



Com mochilas às costas, desbravar caminho nem sempre é fácil, o peso/bagagem que carregamos e a dificuldade do percurso, podem-se tornar esgotantes. Daí, tentar levar o menos de peso possível, carregar connosco apenas o essencial, uma bela analogia à vida.


"Muitas vezes temos que nos perder para saber a direção certa a seguir. É assim no caminho e na nossa bussola interna que navega pelos nossos labirintos. Uma vez encontrado o caminho, seguimos com um propósito. E será que nos perdemos? Interessante como nessas alturas encontramos alguém que nos aponta para a direção - as pessoas certas nos momentos certos. O caminho foi feito dessas pessoas, muitas delas demonstraram o seu melhor lado numa ajuda genuína, palavras de apoio, sem esperar nada em troca. Pessoas que nunca mais havemos de encontrar, mas nos tiveram algo a ensinar, nem que seja - que estávamos a ir no caminho errado - aqui um paralelismo, deixamos para trás aqueles que não estão no nosso caminho. Todos temos os nossos próprios caminhos e tempos, não é exclusivo de ninguém e nós sabíamos que no caminho iriamos encontrar este apoio. Mas também fizemos amizades e trouxemo-las connosco que se mantem."



Sr. Iglesias andava a pulverizar as vinhas.

Sr. Jezus Gonzalez (ofereceu-me uma água num momento crucial), José Luis (dono o estabelecimento) e o Sr. Florentino que tinha por companheira a Dona Maria Joaquina que era portuguesa.

A Dona Micas e a Lola.

A nossa querida amiga Fina e a sua filha, que foi um coração de ouro na nossa jornada. Convidou-nos para um café e ofereceu-nos o que comer, proporcionou-nos um descanso tão necessário na altura.


Porque esta também é uma jornada de pessoas! E como foram pessoas adoráveis. E não cruzamos com mais nenhum peregrino em 205 quilómetros, apenas um ciclista muito apressado que seguiu o ritmo dele - o caminho.


Aquele ciclista ao qual desejamos "Bom Caminho".


"Primeiro dia, estava tudo contra a viagem... Foi um teste de perseverança e resiliência. Foram apenas percorridos 10 kms a chover sem cessar. Encontrava-me preparada para as intempéries, sabia que num ou outro dia iriamos apanhar uns chuviscos, não contava era com a chuva cerrada. Sim, foram 10 kms muito sofridos de pés molhados/encharcados, condensação na roupa, ainda molhei a minha credencial toda. Mas foram esses mesmos quilómetros que me fizeram apreciar andar à chuva, algo que já não fazia à muito, sentir as gotas de chuva no corpo, contemplar as arvores de onde caiam seus pingos - a chuva a tocar na natureza proporcionava uma sonoridade melódica muito particular, algo que apenas os ouvidos mais atentos conseguiam captar. A vegetação envolvente de vinhas, campos, casas em gratino pontuavam o espaço visual, foi uma preparação muito envolvente e apreciada. Dos momentos auge deste percurso foi ver um cervo no nosso caminho, nunca tinha visto um cervo na natureza, mesmo fazendo regularmente caminhadas no Gerês, nunca tinha visto ao vivo. Já tinha encontrado vestígios mas o prazer de ver aquele animal ali, trouxe-me algo muito intenso, inexplicável, apesar de chover a cântaros a natureza ainda nos oferecia detalhes únicos de observar."


"Se percorrer os caminhos de Santiago nos modifica? Talvez não seja a melhor pessoa para responder a esta questão, apenas posso falar do que foi modificado cá dentro, se esse processo se exteriorizou, não posso afirmar. Contudo quem costuma conviver comigo diz que sim, voltei uma pessoa diferente.

Talvez o caminho me tenha ensinado muita coisa, talvez me tenha demonstrado outras, talvez tenha tomado consciência da importância de determinadas situações na vida, talvez tenha aprendido muito sobre mim, sobre a minha convivência, sobre o meu feitio (ás vezes, o meu mau feitio) mas, sobretudo fez-me apreciar cada vez mais os pequenos detalhes que compõem a minha vida. Aceitar que sou uma pessoa de buscas, de procuras, de encontros e conclusões para haver outras continuidades de outras buscas, outras procuras... e fiz as pazes com aquilo que por vezes não tem conclusão, nem tudo precisa ter, simplesmente o é. A vida é composta por tanto que ficar agarrada ao que não possui conclusão faz-nos constantemente regredir - arrumamos o injustificável e seguimos em frente. Buscamos novas procuras, somos seres em constantes buscas, em busca de comunicação e todos os dias temos novas situações em que o podemos fazer.

E não será a vida assim? Procuramos algo que preencha algum vazio que possamos ter, muitos procuram-no na materialidade, outros, em coisas subjetivas - qualquer caso, não está errado pois temos que nós agarrar a um propósito ou narrativa para haver seguimento do nosso dia a dia.

O Caminho é muito duro, difícil, penoso - agarramo-nos a qualquer narrativa ou objetivo para o conseguir superar, e por vezes, apreciar os pequenos detalhes que se encontram ao redor na natureza é uma boa forma de contornar o que a mente tenta boicotar fisicamente. E uma coisa é certa, há muita beleza nos detalhes. Seja um detalhe na natureza, seja uma nova pessoa que ajuda ou fala, seja as cores e aromas que nos rodeiam, até nas belas sinfonias dos pássaros - tudo é inspirador."



"Dos vários pensamentos que me passaram pela cabeça neste Caminho, um deles prendia-se com a sociedade, não perdi muito tempo nesse pensamento porque sempre me apercebi como este sistema funciona. Se és normal, normaliza-te, encaixaste perfeitamente nos padrões és aceite. Mas eu, desde nova que não o sou, não sou normal, não me consigo nem quero normalizar e muito menos quero-me encaixar nos padrões - se não for aceite, pouco me importa também.

Voltando ao Caminho, é individual, pessoal e segue o seu tempo, cada pessoa o vê com os seus próprios olhos e com o seu estar na vida. Eu, percorri o meu, a saber estar presente nas situações agradáveis e desagradáveis, não saltei nenhum estágio, cantei, dancei, cansei-me, tive momentos de alegria extrema e momentos de profunda tristeza ao ponto de chorar - é a vida, uma composição e altos e baixos, uma espécie de montanha russa de sentimentos - mas se fosse hoje, não prescindiria de nenhum, pois são eles que me compõem e foi por ter passado por eles que consigo ter empatia e simpatia por outros seres. E é claro, noutros casos, desprezo... (fatores sociais nos quais não me integro nem quero me integrar). Não sou agarrada a sentimentos que me trazem mau estar, passo por eles como toda a gente mas prefiro acompanhar de quem me quer realmente bem, aceitando-me como sou (uma espécie de louca cheia de ideias estapafúrdias que está sempre a inventar mundos e obras - é o meu mundo, aprecio cada momento dele). E quem me quer realmente bem, eu sei sentir."


A propósito das fronteiras, aqui um marco em cima de uma ponte - de um lado Portugal, de outro Espanha.


Seguindo o caminho, que só tem uma direção. Uma coisa que foi importante e que reafirmei e reafirmo na minha vida - a direção do caminho é única vamos todos para o mesmo local - eu prefiro aproveitar a jornada presente do que viver a ser o primeiro a chegar, porque eu não quero chegar lá tão cedo. O caminho é mesmo assim, é bom o seu andamento e nem tanto a sua chegada, porque as histórias estão no decorrer, o chegar é igual para toda a gente.


Um lema que sempre segui é, por vezes, a ignorância é uma bênção dá para seguir o nosso propósito sem as coisas que não interessam a atrapalhar, a mente trabalha melhor.


O Caminho como um ensinamento para vermos a vida, tudo está lá.


"Em geral, existe uma romantização do que representa a jornada. Antes de a percorrer, vi alguns testemunhos de outras pessoas que haviam feito os Caminhos de Santiago. Algo que achei curioso foi, o caminho que eu havia escolhido, não havia nada escrito nem testemunhado sobre ele - um primeiro pensamento surge na cabeça - deveria eu seguir com este caminho em frente? Esta questão foi contornada pois tive como companhia quem pensava da mesma forma que eu, acabamo-nos por motivar mutuamente.

Quando visualizamos outros peregrinos que fazem os caminhos ocultam muito do que ele representa. Maioritariamente falam-nos das outras pessoas que encontraram pelo caminho, lugares especiais, etc... Eu, poderia nomear estes factores todos mas não seria honesta - talvez o caminho e as pessoas representem muito devido à dificuldade, e volto a referir, é difícil. Quando estamos perante algo difícil, as pequenas coisas tomam proporções bem maiores, seja para o bem, seja para o mal.

Nós não cruzamos com peregrinos, cruzamos sim, com habitantes locais nas aldeias em que passávamos e devido ao grau de exaustão as pequenas atitudes que tomavam para connosco, representavam muito - até porque hoje em dia nas cidades já não se está habituado a haver compaixão, as pessoas andam sempre muito atarefadas nas suas lides diárias que já não têm qualquer tempo para notar outras pessoas e as verem como seres individuais também. Mas no caminho, ainda encontramos essas pessoas, que vivem devagar, que ajudam e auxiliam. Esse, foi um ponto alto da caminhada, o sorriso no rosto das pessoas que nos acolhiam, que nos davam informações, que ajudavam da forma como conseguiam as pessoas tinham tempo para nós, e nós para elas. Algo que hoje em dia já não se observa nos seres humanos - prescindir de um pouco de tempo com outros seres humanos.

Lembra-me quando conhecemos a D. Lola e a D. Micas, que estavam a conversar pela manhã e de repente, do nada, surgem duas malucas portuguesas que haviam escalado um monte que levava à aldeia dessas mesmas senhoras (onde ainda nem a estrada passava). Ficaram tão surpreendidas em nos ver, foram tão prestáveis que ainda partilhamos algumas histórias para contar e recordar.

Posso dizer que esta situação, passou-se no terceiro dia de caminhada, e foi dos percursos mais difíceis consistiu em subir montanhas ingremes e grande parte do caminho não estava limpo, inclusive perdemo-nos devido à má sinalização. A determinada altura no meio do monte, encontramos um sinal o chão, partido, não sabíamos para onde tínhamos que continuar, andamos quilómetros perdidas até voltarmos para a estrada onde havíamos virado para o monte, começava a anoitecer, faltava cerca de duas horas para o sol se pôr e, na dúvida, sempre foi melhor regressarmos a algum local onde pudessem passar carros do que pernoitar no meio dos montes. Ás vezes perdemo-nos para lembrar como nos encontrar novamente e da próxima vez, talvez já não nos perdemos novamente nas mesmas encruzilhadas."





"Andar cerca de trinta quilómetros por dia, seguidos, quase sem paragens não é fácil. Quantas vezes a minha mente me disse - Tu não és capaz! Porque é que estás a fazer isto? Já andaste muito podes ir para casa. E o maior problema é que aliada a minha mente, os meus pés davam-lhe razão. Fisicamente estava tudo bem comigo mas os meus pés começavam a dar de si. Todos os dias quando chegava a hora de parar tinha que cuidar deles lembrar-me que eram eles que estavam a aguentar com aquela jornada toda.

Posso dizer que já fui inúmeras vezes a Santiago de Compostela, não a pé, desta vez algo captou muito bem o simbolismo da minha caminhada. Quando lá cheguei deparei-me com algo que fez muito sentido na minha cabeça - algo que quem faz os caminhos entende perfeitamente."



"Camino recto, camino erguido"


"Y no parare hasta alcanzar mi destino"


"Camino buscando un sentido"


"Camino porque tengo un objetivo"


"Claro que a todas estas afirmações poderia juntar muitas mais que me passaram pela cabeça quando a minha mente tentava me boicotar. Acima de tudo, focar-me no caminho foi das coisas mais importantes que alcancei. Muitas vezes a vida põe-nos à prova, sabemos o que queremos mas, o caminho torna-se difícil por várias razões - grande parte das vezes essas razões não se encontram ligadas diretamente connosco mas sim com o exterior. O mundo espelha-se muito, de certa forma os outros vêm-nos como eles próprios e, até certo ponto estão corretos (somos seres humanos, temos muito em comum) mas apesar de tudo e volto a focar, eu não generalizo - apesar de sermos humanos somos também individuais, com objetivos e propósitos próprios e aí reside a beleza e encanto porque aprendemos uns com os outros da forma que conseguimos. Não interessa argumentar ou conversar com alguém que partilha de tudo igual a mim, não me interessa ter razão, interessa-me adquirir um conhecimento ou um ponto de vista que ainda não tinha pensado e esse, sim, faz-me questionar e aprofundar. Nos dias que correm, as pessoas tem tendência de se desligar e afastar de quem é diferente, pensa diferente, age diferente, é sempre mais fácil pensar que se não pertences "à minha bolha" então não és bem vindo(a). Cada vez mais vemos estas tendências acontecer e um palco notório é a própria internet que traz esses conflitos que isso traz cá para fora, para a dita realidade. Realidade discutível.

É claro que na vida nos identificamos mais com determinadas situações do que com outras, é obvio que nos rodeamos daquilo que nos faz bem e, apenas nós próprios sabemos o que nos faz bem. Eu própria apesar de tomar conhecimento de outras situações e realidades não concordando e sabendo que a conversa não vai dar a lado nenhum, aprendi com o tempo a deixar de lado, não mudamos mentalidades apenas podemos modificar a nossa. Também possuo um grupo de amizades diversas com conhecimentos em vários campos que me ajudam a progredir e amplificar os meus pontos de vista, um grupo composto por vários amigos que, não somos iguais mas que aprendemos uns com os outros - e isso só nos faz crescer mais humanos."


Irina Marques

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