top of page
Foto do escritorIrina Marques

Processos...

Creio que recebi o titulo de poeta e escritora, não por verdadeiramente o ser, sempre escrevi como um meio de expressão, de libertação do que contenho em mim. E esta jornada de escrever, já vem desde há um tempo, quando ainda tinha dezanove anos e me sentava, habitualmente num café chamado de Kamakura, o seu dono era o Sr. Pecheco. Ele tinha sido jornalista num jornal muito conhecido da cidade O Diário do Minho. O meu espanto prendeu-se a, na altura, ele ter visto potencial em mim. Ele não era um homem de muitas falas, escolhia muito com quem falava e fazia companhia, sentava-se à mesa e começavam os longos debates sobre os mais variadíssimos assuntos. E como gostava de falar com ele, fazia-me raciocinar, debater-me com inúmeras questões e pontos de vista que não tinha visto. Foi um grande amigo, motivador, incentivador.

Nunca deixei de escrever, desde muito nova registava os meus pensamentos absurdos nos diários, que ao entrar na faculdade foram substituídos por apontamentos compulsivos nas aulas. Foi a forma que encontrei de me manter atenta nas aulas, tirava apontamentos de tudo o que era a matéria dada. Nessa altura, deixei de escrever e foquei-me apenas em trabalhos. Apenas trocas de correspondência que com o tempo se tornaram em emails e, que com o tempo, desapareceram. Deram lugar à poesia, que guardava para mim, sentia que constantemente repetia assuntos - ilusões, existencialismos, vida, questionamentos, comportamentos, sonhos, etc... As minhas melhores notas nos estudos não se prendiam com os exames mas sim com os trabalhos de investigação, aqueles que ia às bibliotecas (sítios que sempre adorei frequentar), lugares, falava com testemunhos e, depois de todo esse levantamento de matéria, escrevia, escrevia muito, até o assunto se esgotar, relacionando tudo o que podia relacionar.

No final de 2021 resolvi publicar um livro, nunca tive pretensões para tal mas, após já escrever temas soltos em blogues e outras escritas, alguns incentivos por parte de amigos, tentei. Compilei vários poemas e candidatei-me a um concurso de poesia, incrivelmente ganhei, nunca imaginei tal coisa acontecer. Não sou nem me sinto poeta, escritora, apenas registo alguns acontecimentos e vivências que passo, outras, imagino e, outras ainda, que investigo. Sou uma curiosa com a vida, com as vivências e aprendizagens, com os comportamentos humanos, se não sei, vou à procura de tentar compreender - e quando não dá mais para compreender, deixo em paz, porque nem tudo tem explicação. Gosto da componente psicológica e filosófica da questão, embora esta ultima termologia não me assente. Conforme o leitor pode ver, não me sinto nem poeta, nem escritora, nem filosofa, nem qualquer outra característica qualquer. Sou apenas um ser humano que lhe passa pela cabeça reflexões.

Durante muito tempo, o meu livro já se encontrava publicado, não lhe quis dar visibilidade. Porquê? Bem, talvez porque não estava à espera que todas as pessoas fossem ler as minhas "entranhas", estranhas. Sinto que alguém ao ler-me, está a levar um pouco de mim - e não estava acostumada a isso. Conforme referi sempre foi de guardar o que escrevia. Estes receios foram-se perdendo com o tempo, quando comecei a participar num movimento muito querido em Braga, o Movimento Poesia, um lugar de dizer poesia, nele, lia-se todos os poemas que quiséssemos, da forma como bem entendêssemos e, aos poucos fui começando a tomar voz. A abrir um pouco o meu coração. Mas o que mais me espantou, foi alguém pegar na minha poesia e ler em voz alta - o sentir a interpretação de uma outra pessoa a ler as palavras que eu escrevi - o sentimento que já não era só meu mas sim de quem dava voz aquelas palavras. Senti-me acarinhada, senti que de certa forma, um pouquinho de mim residia no sentir de alguém.

Após alguns encontros recebi um convite para falar do meu livro e, novamente senti-me intimidada, ser entrevistada não é o meu forte, sinto sempre que estou a ter um raciocínio lógico mas quando as palavras são faladas, começo a sentir que não tenho nexo. Isto acontece, não por falta de autoestima, mas sim, por ouvir anos e anos dizerem-me que era preguiçosa, não atenta, etc. Contudo, no dia em que falei do meu livro, não fui a única entrevistada, fui acompanhada de mais quatro escritores, com os quais partilhamos histórias, reflexões e todos, tínhamos muitos pontos em comum. O que nos fazia escrever, metas, objetivos, como o livro surgiu, qual o próximo passo... Embora todos escrevêssemos sobre assuntos diferentes, muito, nos ligava.

Aos poucos os meus receios foram ficando para trás, as minhas palavras e poesia ficam muito mais encantadas e com vida, na voz e interpretação de outras pessoas, porque é bom sentir as suas comunicações.

Para chegar aos meus poemas, reflexões e outros assuntos, por vezes percorro um caminho um pouco solitário, surreal, e demasiado abstrato, como gosto carinhosamente de lhe chamar. Por vezes encontro-me no fundo, bem lá no fundo, mas aprendi que mesmo nesses períodos podem-se converter em obras, sejam escritas ou sejam pintadas. São processos que converti para tornar o meu sentir em arte.

E ainda hoje, nos dias que correm, enquanto amigas minhas me deixam mensagens de voz, nas redes sociais, eu, tenho por hábito escrever... sou assim, de escritas. Não há nada a fazer.

Comments


bottom of page