Primeiro poema
Vocês não ouvem a frequência dos meus gritos
algures longínquo num espaço tempo
descartamos, reciclamos, jogamos fora
- nada
nem solo, nem água, nem fertilizante
Palavras: construção, ciclos, existência, incerteza
Ciclos que brotam
da minha voz distante
por vezes aguda
outras, grave.
Quão grave pode ser?
Gritos, surdos, sussurros
sonoridades
vazias ou cheias
acordes como colcheias
ondas de frequências.
Falo mas pouco som emito
círculo nos ciclos
movimento-me em todos eles
usufruo de cada momento
com o sentimento
cíclico, um dia feliz
para no outro ser invadida
pela tristeza mais profunda.
Consegues ouvir?
Dos tempos que correm
das narrativas
contadas, passadas, das palavras
construções
derrocadas de memórias
passadas na oralidade
com o intuito de virar histórias
desmoronamentos
cicatrizes terrestres
que se renovam
constantemente
que ficam somente períodos
dos que ficam e não vão.
Conseguimos fazer florescer
do solo a coerência
de uma explicação
quando no fundo
bem no fundo
não sabemos - nada
não compreendemos - nada
somos - nada.
De quantas partes partimos
e com que rumo?
Sabemos espalhar ao vento
para as palavras ecoarem?
Será que elas espelhariam algo?
Ou traduziram algum som?
Gritos abafados, em que tom?
Será que conseguirias ouvir
a minha pronúnciação
com estes ciclos frequenciais?
Segundo poema
Contamos as noites em claro e os dias a escuro
Ah e se mente! E cala, e consente.
E no fundo, quem somos nós?
Num lugar qualquer da memória.
Palavras: morte, silêncio, narrativas, dia-a-dia
Tumultuosos são os dias que passam
numa adição de qualquer coisa
que não chega a terminar
e logo quer chegar a um outro lugar
vemos os pores de sol e amanhecer
diariamente até um amanhã qualquer
não chegar mais.
Infinitamente conto as mesmas narrativas
desgastadas que de tantas vezes contadas
caem em desuso
mostro a realidade descontinuada
da minha imaterialidade comunicativa
palavras não são rochas para esculpir
contudo podemos talhar
a mensagem passada.
Calo os meus pensamentos abusivos
abafando os seus gritos
que me perturbam,
peço-lhes silêncio
mas eles não me obedecem
e nas suas inquietações
disputam as minhas perturbações.
No fim, para que serve?
Todas narrativas a que nos agarramos
todo o desgaste sentimental
que carregamos no corpo.
Onde nos dirigimos?
No final, todos os tumultos
e todas as inquietações
serão jogadas ao chão,
cobertas com cascalho e areia
para nunca mais ninguém se lembrar.
Poesia inspirada em conhecimento adquirido no Laboratório de Expressão Poética, em que tento por em pratica, alguns métodos novos, aprendidos. Saindo da zona de conforto, porque a aprendizagem passa por isso. Agradeço à Marta Moreira pelas aulas e partilha de conhecimento.
Irina Marques
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