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Foto do escritorIrina Marques

Abstração - Arlequins

Atualizado: 3 de ago. de 2022



De 28.07.2022 a 02.08.2022


A música e a literatura


A abstração está presente visivelmente nas obras dos Arlequins. Uma abstração estudada com muito cuidado que aborda inúmeros temas, alguns assentes em autores e investigadores antigos, outros frutos de reflexões atuais sobre a sociedade e comportamentos sociais.

Todas as obras foram elaboradas ao som de músicas, daí se o observador estiver a ver as obras e colocar determinado género musical, as cores e linhas começam a ganhar espaço e forma, é como se bailassem pelo papel adquirindo espaços e formas, criando composições, interagindo. As obras foram criadas com músicas onde o violino encontrava-se presente, daí qualquer música que se ouça com este instrumento provavelmente fará mais sentido.

Vejamos os Arlequins como alguém que entretém, virado para um público, representa o seu papel - Arlequim apareceu no espetáculo Commedia dell'arte teatro popular que ganhou fama no século XV, em Itália, na época do Renascimento, sua função era divertir o público durante o espetáculo. O seu papel foi sendo alterado ao longo dos tempos: inicialmente agia em função de alteração dos planos de seu mestre, deixando-o frustrado, encantado com a sua paixão Columbina competia por sua atenção com o seu rival Pierrot; mais tarde toma o papel de herói romântico. Os seus atributos são a agilidade, ser aldrabão, uma representação do "diabo" agitadiço das paixões medievais.

A Commedia dell'arte e seus arquétipos serviram de pano de fundo para estas criações, às quais agreguei outras e outros arquétipos, nomeadamente estudos de Carl Jung. São uma série de nove Arlequins, onde me baseei também numa outra obra do Renascimento a Divina Comédia de Dante Alighieri onde a representação do número nove tem sua característica simbólica referente aos nove círculos do inferno da obra referida.


As máscaras


Acima de tudo gostaria de referir que tudo o que aqui escrevo irá estar sujeito a interpretação por parte do leitor e se houve algo que aprendi no decorrer da minha vida e estudos é que nem sempre o que estamos a descrever/escrever é assimilado ou percebido de forma idêntica por todos. Por vezes, pensamos estar a passar uma mensagem clara, que faz sentido na nossa cabeça, contudo a outra pessoa, mediante o seu estado, pode estar a perceber algo completamente diferente.

Há dias e dias, costumo dizer, um dia alguma situação pode correr mal e, nesse dia temos que fazer uma apresentação ou dar alguma explicação - a forma como o fazemos e a mensagem que é passada poderá não sair tão claramente como num dia que correu normal ou até mesmo bem.

Lembro-me quando trabalhava em atendimento ao público, e trabalhei alguns anos neste tipo de trabalho, o que se passava na minha vida pessoal não poderia ser refletido na pessoa que estava a atender, era como se ali entrasse numa outra dimensão, representasse um outro papel - por vezes são estas "máscaras" ou defesas que criamos para ser funcionais em sociedade. Não era nenhuma mentira, por assim dizer, as máscaras nem sempre poderão ser atribuídas a algo negativo, são elas que nos fazem comportar em sociedade, interagir e, há sempre um fundo de verdade nelas, há sempre algo de nosso.

Estas "máscaras" fazem-nos funcionar em sociedade, já Carl Jung na sua psicologia analítica falava delas - algo que representamos para ser capazes de funcionar nas regras sociais, é como convivemos com os outros, muitas das vezes, até com quem nos é mais desagradável, são elas que nos fazem funcionar de forma equilibrada. Não as podemos desassociar do ego e da sombra. São padrões adquiridos no decorrer da nossa vida e aos quais reservamos determinados espaços de aprendizagem, para saber agir conforme determinada perceção que possuímos de outra pessoa - é como nos apresentamos ao mundo. A nossa persona vai ser diferente num contexto familiar, de amigos, de trabalho, etc... é algo natural.

Mediante a perceção e projeção da outra pessoa, a forma como comunicamos pode ser negativa ou positiva. Se a pessoa na nossa frente tiver um pensamento do tipo positivo a mensagem passada pelo emissor será rececionada de forma estimulante por quem assimila a mensagem que também é capaz de sentir através da sua expressão corporal. Já no caso do recetor estar num período negativo, e a mensagem for passada de forma entusiasta e positiva, provavelmente esse mesmo recetor irá ver essa mensagem como algo negativo, independentemente do estado do emissor.

As "máscaras" irão sempre colidir com vários temas: perceções, projeções, representações, socializações, mensagens, pessoas... Não são, de todo, um conceito negativo, como muitas vezes se pensa. Seria melhor as ver como uma forma de funcionar em sociedade que nos permite comunicar e viver num equilíbrio.

Esta "máscara" é uma das camadas mais superficiais no que toca á nossa psique, o que acontece é muitas vezes o indivíduo pensar que são essa persona que é demonstrada nessa "máscara", um exemplo bem explícito e representativo do que é essa persona é o que vemos hoje em dia nas redes sociais, onde escolhemos deliberadamente o que queremos mostrar como forma de nos apresentar - daí muito do que se mostra e é aprendido é algo muito superficial. Se fossemos a aprofundar um pouco mais este assunto teríamos que ter em conta que a "máscara" que apresentamos não é o "eu", é apenas um pequeno aspecto do ego; ela não é fixa, ela é construída ativamente e modifica-se no decorrer da vida; ela não é o ego, têm um fundamento similar e são usados de forma parecidas, contudo a "máscara" é algo social, como nos apresentamos ao mundo e o ego já se prende a algo mais interno mais profundo.


As construções


As construções é algo recorrente no ser humano, aqui nos arlequins, poderemos ver essas mesmas construções nas diferentes formas que as várias interceções formam, é um pouco a forma como recolhemos a informação exterior, o processamento e a transformação na ideia.

No ponto passado referia ás "máscaras", isto é, a forma como nos apresentamos perante outros seres, a ideia pré idealizada que cuidadosamente é manifestada através das nossas ações e seleções. As construções, assentam em algo mais profundo, algo que não é ligado ao consciente, é a forma como recolhemos a informação e o que estamos predispostos a aprofundar ou deixar de parte.

Um dia conversava com um colega filosofo e falávamos de um assunto que, para nós, parecia concreto, isto é - um muro. Uma ideia tão simples como esta, falávamos deste conceito, definíamos o que era um muro para que servia, algo tão banal como apenas isto, e logo começamos a brincar com a ideia que muitas vezes, algo tão concreto e simples poderia ser alvo das maiores teorias e conspirações, e isto surge na construção interior de cada ser humano. Aprendemos e formamo-nos numa cultura, espaço, país, localidade, contexto ou sociedade mas com a globalização e com a interação de diversos povos e outras ideias, os conceitos que antes eram tão simples e de fácil compreensão e perceção começaram a amplificar e a tornar-se cada vez mais subjetivos. Claro está que tudo isto envolve uma panóplia de experiências que carregamos connosco e quanta mais diversidade agregarmos mais esses conceitos se tenderão a alargar. O que era tão local, como a cultura e sociedade de uma zona especifica, começa a perder-se um pouco - amplifica-se - portanto esse mesmo muro estaria lá, em determinado local, mas perante os diversos contextos poderia ocorrer diversas "teorias".


O muro está lá:

a) pode não ser um muro

b) tenho que me esbarrar contra o muro

c) posso transformar o muro

d) deixa-me imaginar o muro

e) não é um muro

f) o meu muro não é o teu

g) toma com o muro na cara

h) um dia vais perceber o que é um muro

i) e se o muro fosse antes

j) vou retirar o muro

k) o muro aplicada à situação x

l) o muro é um telhado

m) o muro inspira a ...

n) ...


Temos que verificar que a nossa sociedade é demasiado heterogénea e muitas vezes conseguir aglomerar todos estes conceitos num só poderá ser muito complicado. Hoje em dia pessoas que pensem um pouco diferentes ou são criativas ou loucas, o pensamento critico é algo que não é estimulado e podemos observar essa ocorrência nas crianças, a heterogeneidade de pensamento é mal visto. É claro que nesses anos de formação são importantes educar ou dar a conhecer as rotinas, habituações a determinados sistemas mas ao mesmo tempo privamos de realmente demonstrarem os seus talentos, incutindo normas.

Relembro, na altura em que tirava o meu curso de licenciatura de História da Arte, havia uma cadeira em que o professor afirmava que determinada situação era arte, e eu, não concordava com o assunto, só me foi possível passar à cadeira quando em exame concordei com a teoria do professor. Hoje em dia verifico que não era estimulado o pensamento critico mas sim uma espécie de formatação, não era permitido propriamente uma discussão de ideias mas sim teria que estar de acordo com o professor. Ele apresentou uma perspetiva não quererá dizer que eu concordasse com ela.

Aqui então, ainda poderíamos verificar uma maior heterogeneidade quando juntamos nas mesmas instituições alunos com diferentes capacidades, existem alunos que não são estimulados a aprender da mesma forma que outros alunos, deveríamos ter em conta estes casos, um aluno que seja mais distraído não quer dizer que não aprenda, pode é ter outras formas de aprender - a forma como na sua altura de formação é tratado poderá se refletir muito nas suas "crenças" (na falta de melhor termo) futuras.

A forma como recolhemos informação do exterior, em diversos períodos da nossa vida, irá se refletir muito na nossa forma de pensar e nos refletirmos. E este assunto dava para continuar por aí em diante. Todas as forma que compõem os arlequins e suas colorações são compostas destes mesmos fragmentos - a nossa vivência e experiencia - que se traduz no vasto complexo de circuitos cerebrais de de ação.

O olhar


De acordo com estudos ligados à neurociência, o Dr. Martínez Otero, explica e aprofunda como a perceção visual do cérebro reconstrói a perceção visual do que nos rodeia. Cada pessoa perceciona de forma distinta e mediante essas perceções leva à tomada de ação.

Quantas vezes ouvimos a expressão: "acreditas em mim ou nos teus próprios olhos?". Hoje em dia vemos que inúmeras ilusões óticas nos conseguem mostrar que por vezes o que o olhar vê encontra-se enganado. O cérebro não tem acesso direto ao mundo, apenas tem a informação adquirida através de recetores e essa informação não é completa. Isto acontece desde novos, recolhemos informações visuais através das sombras e silhuetas e adquirimos esse conhecimento para que na hora de pôr em prática saibamos do que se trata.

Outra questão prende-se à quantidade de informação visual que recebemos, corresponde a 70 GB de informação por segundo. É impossível processar toda essa informação, então adquirimos formas para dar importância a essa recolha.

Vejamos o caso de uma outra perspetiva, o caso do sensor de uma máquina fotográfica, quanto melhor o sensor mais pesa a fotografia e, no caso dos nossos sentidos visuais, o processo não atua de forma muito diferente, temos os olhos que funcionam como mapas de câmaras e os sensores para refletores da retina e é o melhor recetor possível, contudo impossível de armazenar tanta informação visual. Recolhe a informação com a melhor qualidade possível e comprime-a daí a recolha de informação pode aparentemente ser a real mas a sua reprodução não o é.

Um outro fenômeno é a adaptação, quando focamos um ponto no centro e apenas nos focamos nele, algumas cores mais ténues ao seu redor tendem a desaparecer. O cérebro está interessado em coisas dinâmicas, que se movem, se estimularmos o cérebro sempre com a mesma informação, ele automaticamente habitua-se e, sabe que da envolvência está ali. Este processo é interessante no ato criativo e não só, quando nos focamos imenso numa tarefa que temos em mão ou à nossa frente o conceito de tempo tende a encolher, algo que nos encontramos imensamente focados, o tempo passa a correr, já quando estamos a fazer algo que o foco não é tão ativo, parece que o tempo não passa.

Falo no caso de uma experiência pessoal, quando me encontro a trabalhar focada numa obra de pintura, os meus olhos tendem a focar no que me encontro a elaborar, entretanto a minha imaginação divaga por muitas outras questões, com o tempo e com a experiência, o que me encontro a fazer manualmente já começa a tornar-se automático, não tenho que me preocupar com a forma como o pincel toca na tela e que resultado vou ter ao fazer determinados movimentos, posso-me apenas focar no olhar - o que acontece quando nos focamos imenso na tarefa mesmo à nossa frente e nos concentramos é o tempo passar a correr, quantas vezes me apercebo que desde que comecei a realizar algo até quando tomei consciência das horas, passei umas quatro a cinco horas focada.

Podemos observar este fenómeno no decorrer do contexto social dos dias de hoje, no caso dos telemóveis e aplicações que nos consomem tempo. Muitos utilizadores de redes sociais e não só, frequentemente dizem que quando as usam, não se apercebem e o tempo passou a correr. Estas aplicações por se encontrarem tão perto do nosso olhar faz com que o que rodeia deixe de ter importância, o foco está no monitor o nosso cérebro irá adquirir esse mesmo padrão, o da concentração. Mas aqui entra outras questões em discussão, o facto de estas aplicações serem estudadas para possuírem um caracter viciante, contudo isso é outros temas que não estão presentes no olhar dos arlequins.

Devemos então ter em conta que a informação chega-nos, através do olhar, com diferentes prioridades, algo que seja mais importante chega com maior amplitude, outra sem tanta importância assim, o cérebro faz questão de desligar ou não focar. Este processo é muito importante na recolha de informações e anotações, os magos, já á mais de 2000 anos atrás sabiam deste tipo de processo.

O nosso sensor visual é muito bom ao centro mas bastante difuso na periferia, isto acontece porque na retina temos formas de ver os detalhes nas imagens muito sensíveis e na periferia temos sensores só recetivos à frequência espacial, são recetores de imagens muito baixas e não vêm o detalhe da imagem, contudo vêm muito bem o movimento e relações contextuais.

Mas nós seres humanos, vemos mal na periferia, contudo o nosso cérebro faz a interpretação concisa com o que vemos na nossa frente, é um truque que ele faz para ajudar na perceção visual, é algo inconsciente. Por norma, ao caminhar na rua focamos algumas imagens que são mais salientes, quer elas se encontrem a mexer, tenham mais cor, algo reconhecível.

Daí volta-se a colocar a questão - “Podemos confiar no nosso olhar?”

Como podemos confiar num sistema visual que nos deixa sem perceber ao certo a maior parte das cenas que vemos. Outra questão, prende-se com o facto da recolha de informação visual, estamos desconectados do mundo, cada informação que vemos tem um processamento temporal por parte do cérebro e nem todas as informações têm o mesmo tempo de processamento.

Se observarmos muito tempo um determinado ponto, tudo o que é restante, desaparece, porque a nossa atenção está focada especialmente em algo, logo a periferia desaparece. Duas pessoas que observam exatamente a mesma cena, não veem a mesma coisa. Cada experiência visual é subjetiva porque duas pessoas a ver a mesma coisa podem chegar a conclusões diferentes, tudo depende da experiência visual e todo o acúmulo de associações de imagens que vamos tendo ao longo da nossa vida.

Os pintores e artistas plásticos sabem bem deste fenómeno, já Picasso dizia: “A arte é a mentira que nos revela a verdade”; a perceção visual é a mentira que nos revela a verdade.


No final, coloca-se a questão, se o que vemos é realidade ou perceção?


Irina Marques

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