A caminho da sua escola distraia-se com os prédios, com as gentes, com pequenos detalhes no passeio. Tinha o terrível hábito de não pisar as linhas no chão, brincava com a rua, algo que lhe custara uma vez ou outra um embate frontal com outros caminhantes que soltavam a frase "olha para onde vais". Quando tal acontecia, assumia uma postura mais séria, com cuidados para não voltar a passar pela situação embaraçosa.
Logo o que acontecia era, sem pretensão, ouvir frases soltas na rua. Ora de gente que passava e conversava ao telefone, ou grupos ou duos de amigos que passavam por ela. Apanhava as frases a meio, pelo breve momento de passagem, e mal deixava de ouvir os intervenientes formulava uma história na sua cabeça. Era como, aquelas pessoas pelas quais tinha passado rapidamente, se tornassem alguém que possuísse uma história, características, traços e linhas, tornava-as reais e não apenas como seres passantes.
Com estas narrativas, esquecia-se dos outros seres que a haviam chamado a atenção de "ver para onde ia", era tão fácil se esquecer, qualquer coisa prendia-lhe a atenção e aprofundava de tal forma que a sua cabeça se focava naquele novo assunto - fosse um pássaro pousado nem algum candeeiro, um cão que trazia a passear à rua o seu dono (porque pela cara do dono não aparentava estar muito satisfeito), alguém que saia de um estabelecimento e arranjava as roupas, árvores dançantes ao vento, as nuvens que passavam numa correria e num estante mudavam as cores refletidas nas ruas, ora claridade, ora sombra.
Lembrou-se de aprofundar a frase "olha para onde vais", engraçado como pensava nessa frase e não lhe fazia sentido na sua cabeça. A única forma de ver para onde se ia eram num curto espaço de tempo. Nunca podemos ter a certeza de para onde vamos, realmente, podíamos fitar o local onde queremos chegar mas isso não nos tornaria distraídos? Porque se estamos a olhar para onde vamos, perdemos tudo o resto, as pessoas, a vida, os afazeres, o dia a dia... E sim, existem pessoas que vivem de metas e objetivos, talvez aí, esta frase se aplicasse, mas não a ela. E quantas vezes estamos a olhar para onde vamos e quando lá chegamos já tudo mudou?
Num estante estava na sua escola, tinha chegado e o mais engraçado é que nem por uma vez, tinha olhado para onde ia.
Irina Marques
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