Saiu à rua para as suas caminhadas matinais, estava frio, olhou para o seu telemóvel onde marcava uma temperatura a baixo de zero. Nestes dias, preferia ficar em casa, ou a estudar, a ler, a trabalhar. Mas tinha que entregar os livros na biblioteca que ficava a vinte minutos a pé da sua casa. Preferiu ir a pé, apreciar o sol que ao caminhar, lhe aquecia o corpo, a face, tentava evitar as sombras porque sentia um frio cortante.
No seu caminhar apreciava cada passo dado, cada detalhe que a envolvia. A primavera estava a chegar, aos poucos, as flores apareciam timidamente nos galhos das árvores. Durante a sua caminhada lembrava-se de algo que tinha lido de Anais Nin que dizia Não vemos as coisas como são; vemos as coisas como somos, e logo se lembrou do seu poema, coisas... Era assim mesmo, ia pelo caminho, com a cabeça nas nuvens associando tudo o que podia associar. É claro que esta condição sua já lhe havia levado a lugares muito penosos, a qualquer momento sabia que podia delirar com a sua imaginação, contudo, já havia aprendido como contornar a questão. Pensava é tudo da minha cabeça, e logo a situação fazia-lhe voltar à terra. Passou por uma frase na rua que dizia Ajusto-me a mim, não ao mundo, coincidentemente a frase era da Nin. Já entendia estes processos, cada vez que pensava em algo, a mente procurava formas de as reafirmar, mesmo não sendo verdade. Agora via Nin em todo o lado...
Havia pouca gente na rua, e todos por quem passava iam aconchegados nos seus casacos e emitiam nuvens quentes que vinham da sua respiração. Apercebia-se quando as pessoas inspiravam e expiravam. Pensava, na música dos Pearl Jam, o seu grupo preferido de sempre, Apenas respira, e logo se sentia acolhida pela música, pelas pessoas que a rodeavam e sempre estiveram consigo. Trazia sempre elas consigo no seu coração, para onde quer que fosse. Pensava nos que partiram, muitos deles ainda a habitavam na sua memória e recordações, pensava nos que a deixaram pelo caminho, e quem ela deixou pelo caminho também.
Com o tempo, outras coisas surgiam-lhe, coisas estranhas, das quais não falava com ninguém, eram os seus delírios a tentar toma posse dela, a sua imaginação. Está tudo na minha cabeça, dizia e afirmava até aquele pensamento se ir embora. Devido à sua componente de investigadora, associava as coisas mais absurdas e aprendeu que existem coincidências, até porque tinha estudado o assunto, agora possuía um conhecimento sobre a mente humana. Suas abstrações, não passavam de imaginações, fantasmas que ás vezes a assombravam, mas já pouco diziam, pelo menos aos outros - colocava-os na arte com uma simbologia muito propria. Novamente a frase de Nin passava-lhe pela cabeça e automaticamente pensava eu sou assim? E os seus discursos internos começavam... Assim como?
Tinha falado à pouco com algumas amiga suas e apercebeu-se que a imagem que ela tinha dela própria não era, de todo, a imagem que os outros viam nela. Entrou em confronto, consigo. Raramente falava de si, logo, o que transmitia, suas atitudes, suas escritas, sua poesia, era vista com um olhar completamente diferente do que sentia. Estranhamente, sentia que suas poesias e escritas eram pesadas, mas todos se referiam a elas como leves. O mesmo passava pela impressão que tinha de si própria, sabia não ser uma romântica, admitia não o ser, mas quem a rodeava dizia que ela o transpirava por todos os poros. Pensava será isto que eu transmito? Entrou em contradição, arranjou na cabeça, todas as justificativas para dizer que não o era, da mesma forma que as coincidências estava tudo na sua cabeça esta imagem também estava tudo na cabeça das outras pessoas. Se calhar até era e nem sabia.
Continuou a caminhar, agora, observava os prédios à sua volta, como eles coexistiam com as árvores e por breves momentos sentiu-se feliz de viver num local onde a qualquer momento estava nas serras e no centro da cidade. Aquilo era real, sabia, sentia-o. O resto... estava tudo na sua imaginação, e como ela era poderosa. Num instante chegou à biblioteca, nem se tinha apercebido como lá tinha chegado, o caminho tinha passado num estante. Entrou, entregou os livros e logo se dirigiu para as estantes, com os mais diversos assuntos, as portas abriram-se novamente, ao seu olhar. Em qual universo mágico iria entrar, desta vez? Tanta coisa que nos passa pela cabeça...
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