No passado dia oito de Março, inaugurou-se a exposição "Comunicação Inquietante”, na Biblioteca Pública de Barcelos. Na sessão solene de abertura, onde estiveram presentes cerca de trinta pessoas, houve uma entrevista conduzida pela Elaine Viera e não só. Elaine, fez uma excelente performance onde entrevista, poesia e teatralidade entraram em cena. Fica aqui um gostinho daquilo que foi uma sessão onde pintura, música e poesia se encontraram.
Poema
Stresses de hoje em dia
de Irina Marques
Sou a pessoa mais stressada do mundo
não aparenta, eu sei
mas stresso demais...
Não stresso com as pessoas em geral, não,
isso até parece uma coisa rara nos dias de hoje,
mas a verdade é que
stresso comigo mesma
deixo tudo para ontem, é claro,
stresso
mas se trato de tudo logo de uma vez,
stresso,
porque tenho tempo a mais para me preocupar
com o meu próprio stress.
Stresso por me cobrar
aquilo que não cobro aos outros,
eu sei, eu sei, é stressante só de pensar.
Mas se penso, stresso.
Paro, stresso,
se escrevo, vou lá dar na mesma
se pinto e as cores não me aparecem,
escusado será dizer.
Ás vezes só de pensar em sair de casa e no transito
e pessoas com quem vou cruzar,
já estou a stressar..
Stresso porque cheguei a horas
e agora tenho que esperar pelos outros,
assim como stresso quando chego tarde
e tenho que me desculpar.
Não sei, mas stresso
porque penso que não sei disfarçar o meu stress
ora me calo, e passo por pessoa antipática, logo stresso
ou falo demais e passo por uma falsa extrovertida,
que passo a dizer que não o sou
é stressante.
E nestes diálogos
que tenho comigo mesma afirmo,
sou stressada
porque olho ao meu redor
e só vejo gente calma,
embora com falta de paciência.
Ela nasceu em Lisboa no dia 22 de agosto de 1982, sob o signo de Leão. Aos 7 anos de idade, se mudou para Braga. A Licenciatura em Letras – História da Arte ocorreu na Universidade do Porto. Depois, ainda veio a Pós-Graduação em Informação Turística e do Património pelo Instituto Politécnico de Gestão e Tecnologia em Vila Nova de Gaia.
O seu primeiro contato com a pintura aconteceu no Liceu. Mas a arte na vida da Irina vai além da sua expressão plástica, dos seus poemas e também da fotografia.
O teatro e a música também compõem este multiverso artístico. Com o primeiro, ela teve contato na faculdade, onde participou do Tic Tac – Grupo Amador da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Já com a música, especificamente o violino, seu primeiro contato foi ainda antes da faculdade, se distanciou, mas a retomada ocorreu em 2022.
Fatos familiares e pessoais a levaram a se afastar da arte, porém, foram exatamente a pintura e a escrita que atuaram como elemento de cura e hoje, como ela mesma diz. “Não sou ninguém sem a minha arte”.
Sejam todas e todos bem vindos à abertura da exposição Comunicação Inquietante, da nossa querida Irina Marques, neste 8 de Março de 2023. Dia que marca a luta de todas as Mulheres no Mundo Inteiro por direitos, por nossos direitos. É um dia de gratidão também. A todas que vieram antes de nós e que, com a sua luta, conquistaram o direito de estarmos aqui hoje. Porém, não nos esqueçamos de que ainda existe um logo caminho a ser percorrido.
Como mulher e artista, o que significou para você estar abrindo a sua exposição exatamente neste dia tão simbólico?
É prazeroso, sim. E não só… Tenho a agradecer à biblioteca por ter acolhido tão bem as minhas obras. Barcelos é uma cidade especial para mim e a biblioteca ainda mais. A minha mãe trabalhou nesta cidade e muitas vezes trazia-me com ela, quando tinha cerca de oito anos enquanto ela trabalhava eu ficava na biblioteca a distrair-me um pouco. Não seria totalmente errado dizer que, na altura, os meus primeiros rabiscos (que eram isso mesmo) surgiram neste espaço. Portanto é uma simbologia dupla.
Quanto a estar a inaugurar uma exposição neste dia tão importante para todas nós, mulheres, nunca imaginei ser uma das intervenientes a falar neste dia. Dia da mulher, deveriam ser todos os dias. Ao longo da história, muito dela escrita e composta por homens, o papel da mulher foi sempre colocado em segundo plano. Pena é que muitas mulheres, ao longo dos anos, e muitas, ainda nos dias de hoje colocam-se em papéis secundários. Só de me lembrar dos títulos que carregamos ao longo da história entristece-me. Não é de muito longe, e ainda em alguns locais, mulheres que curandeiras eram consideradas bruxas (todos nós nos lembramos desta história). Porque carregamos o símbolo da tentação? Damos à luz, carregamos vida, muitas das vezes sozinhas porque a responsabilidade é sempre nossa. Deixamos nossos sonhos para trás. E quantas mais histórias carregamos? Quantas não são assediadas? Violadas? Quantas narrativas “caladas” não carregamos em silêncio? Porque neste universo, onde os homens ainda são os mandatários, a culpa ou tentação, é feita pela figura feminina, ilibando todas as culpas da parte masculina. Engraçado como penso que, a partir de certa altura, quiseram que a mulher fosse a bonequinha, isto é, se tratasse, maquilhasse, andasse de saltos altos, roupas curtas - toda a media apostava nesse aspecto da mulher - que ela se tratasse melhor, que houvesse empoderamento da mulher. Contudo, ainda continuamos com a mesma conotação de sempre, agora por sermos assim, os homens (e isto não refiro a todos os homens obviamente) atribuem-nos uma conotação negativa… Ainda andamos com os valores muito trocados em pleno século XXI.
Vamos ainda falar de quantos trabalhos e cargos as mulheres não conseguem ou não podem seguir por, ainda serem, profissões de homens? Eu própria quando andava na faculdade fui “barrada” de seguir uma pós-graduação por não ser homem, tive essa experiência com os meus vinte e cinco anos. Fez-me lembrar os tempos do antigamente em que muitas escritoras e mulheres ligadas à arte assinavam os seus nomes sob pseudônimos de homens ou dos seus maridos, para os seus trabalhos serem vistos.
Sou apologista que as mulheres devem ter exactamente os mesmos direitos que os homens têm, e é nas mais pequenas coisas do dia a dia, que observamos que isso ainda não acontece. Basta estar atenta e vemos ainda muita descriminação.
O dia internacional da mulher representa isso mesmo, uma melhoria das condições de trabalho e de vida das mulheres, esta constante luta por igualdade e para não nos esquecermos das conquistas que tivemos ao longo dos anos. Uma parte da minha expressão plástica carrega um pouco desta simbologia que aqui falamos hoje, mas não só, ela toca ainda em questões psicológicas que afetam este universo. Eu tento abordar uma temática vasta do ser humano. Não me considero feminista de forma alguma, sou mulher.
Você me disse que a poesia e a expressão plástica caminham juntas no seu processo de criação. Como isso ocorre?
Eu costumo dizer que sou artista plástica, ou pelo menos, uma pseudo artista plástica, isto porquê? Porque nunca sinto que consegui concretizar o meu trabalho, há sempre algo que fica por expressar. Estou sempre no processo de aprendizagem, portanto, não posso afirmar que sou algo quando ainda tenho tanto a aprender. A poesia ou escrita vem por contracção, quando um dia me denominaram de poeta fiquei um pouco sem saber o que dizer. A expressão plástica tem voz, tem vida, tem testemunho. A poesia é como se complementasse aquilo que está figurado.
A linha, a cor, a expressão representam uma voz, um tempo, algo que quer sair da tela - talvez seja aí que a poesia e a escrita se soltaram de mim. As palavras escorrem na tela como se uma sinfonia se criasse como se elas se complementassem, ela tem som, voz. É uma poesia não muito ordenada e muito sentimental, de muitos questionamentos e dúvidas, de existencialismos e aceitação, de manifestações do íntimo. Por vezes, nem sinto que elas se complementam, sinto que é uma libertação - saiu poema - foi assim, palavras ao vento que podem calhar e assentar a qualquer pessoa. Eu não costumo criar poemas com grandes regras, costumo dizer que apenas ligo as frases que se formulam cá dentro, como na tela, ligo as cores que imagino. Se faz sentido? Talvez não, mas às vezes sim.
(continua)
Entrevista dada na Biblioteca Publica de Barcelos
dia 08.04.2023
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