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Foto do escritorIrina Marques

Entrevista Comunicação Inquietante (II)

Atualizado: 12 de jul. de 2023

Peço que defina em algumas palavras o que você denomina COMUNICAÇÃO INQUIETANTE.


Algumas palavras… Vou tentar, pois na minha cabeça, este é um assunto muito vasto que inclusive não conseguirei abreviar todo aqui - muitos assuntos irão ficar de fora, assuntos esses, importantes ao tema.

Existem muitos tipos de comunicações inquietantes, não apenas uma. Mas falemos da mais óbvia: a tentativa de comunicar algo e ser aprendido de forma totalmente diferente do que queríamos dizer. Temos também as narrativas que contamos a nós próprios e que nos inquietam. Ou ainda o que os outros contam sobre nós e não corresponde à verdade, torna-se inquietante. São os tumultos, as agitações internas que quando expressas são mal interpretadas ou não expressadas da forma mais correta.

Numa comunicação entre, por exemplo, dois indivíduos (não falarei de mais porque aí este exemplo ainda iria crescer) existe uma linha de raciocínio, uma mensagem que uma vez falada ela será apreendida por o ouvinte, essa mensagem é expressa através de códigos e mediante se estamos na mesma “sintonia” ou não, ela irá ser compreendida. O que muitas vezes acontece é nessa comunicação entrar em causa as crenças, culturas, vidas e experiências e outros factores que fazem com que essa comunicação não tenha sucesso - ora porque as pessoas não têm nada em comum ou estão sempre a assumir uma postura de defensiva - a comunicação falha. Para ambos, interlocutor e receptor, a frustração de não haver entendimento pode se tornar algo inquietante. Mas lá está, aqui estou apenas a referir um breve resumo superficial do que pode acontecer.

Vejamos então os discursos que temos connosco, quando sabemos e temos a certeza que fazemos algo bem, treinamos a vida toda, tornamo-nos esmeros no que fazemos (ou pelo menos tentamos) e eventualmente vem alguém e nos diz que o que fizemos podia ter sido melhor. Isto agora, vai de cada um. Ou ficamos a matutar na cabeça aquela frase e começamos a pôr em causa o nosso trabalho, se realmente aquilo poderia ter sido feito melhor… Algumas pessoas até começam a pensar que são falhadas, que não têm jeito para aquilo. Ou então, não ligar, pura e simplesmente desprezar o comentário da outra pessoa. Mas existe ainda uma outra situação, aquelas que pegam nesse comentário e transformam em algo construtivo. A comunicação é esta agente interior que nos faz tomar qualquer uma destas posturas, são os nossos discursos internos, como os tratamos, como os processamos, como agimos. As nossas sentimentalidades e racionalidades estão bem presentes.

E tudo isso e muito mais, é como a nossa mente age, como ela funciona, os bastidores de toda uma atitude, fala, procedimento, não sei se me faço compreender? Até mesmo as inquietações das quais nós não somos responsáveis, mas sim factores exteriores que mexem e nos fazem ser de determinada forma. Agora pergunta-me se não somos responsáveis por todas as atitudes que tomamos? Sim, mas isso é discutível, porque uma narrativa inquieta tem que ser acalmada e entendida, isto daria um outro tema…

E com isto já usei mais do que algumas palavras, o que me faz pôr em causa a minha comunicação, inquietante…



Então, como a artista Irina lida com a CI?


Será que lido? Isso é uma questão que nunca saberei responder.

O que me ajudou foi a arte, as minha intranquilidades, revoltas, perturbações, preocupações, tentava traduzi-las na pintura. E no início nem tinha consciência que o fazia. O meu início de 2018 foi um período bem conturbado, tive uma depressão grave - tão grave que não conseguia nem levantar da cama. Os meus pensamentos eram tenebrosos, não conseguia ver algo positivo em nada, vivia assustada com medo de tudo. Na altura tive que procurar ajuda profissional, era impossível eu conseguir dar conta da minha cabeça sozinha.

A minha comunicação inquietante começou por me conhecer a mim própria. Passo muito tempo com as minhas telas, os meus quadros, perdida nos meus pensamentos. A forma que consegui de perceber e me encontrar na depressão foi com quatro palavras-chave que ainda hoje as tenho afixadas num local para me lembrar sempre delas: Desobedecer - Relaxar - Ter outros pensamentos - Acreditar. Todas elas, com inúmeros significados para mim.

Na altura o meu cérebro talvez se encontrasse um pouco adormecido, a minha veia criativa estava "guardadinha" em algum sítio e esquecida, talvez tenha sido exatamente isso que me levou à depressão. Sempre fui uma pessoa de ideias, gerar novas ideias, reformular, imaginar e nesse período apenas más ideias me vinham à cabeça, isso, e o saudosismo… o que podia ter sido e não foi, se tivesse tomado determinado caminho, os erros que cometi, nem vou enumerar um sem número de coisas que me passavam pela cabeça. A arte, nomeadamente a arte plástica, salvou-me, resgatou-me, fez-me voltar aos poucos a raciocinar e a questionar se os pensamentos estariam correctos.

Comecei então por desobedecer aquilo que a minha cabeça me ditava: se partia do princípio que algo era impossível ou não me apetecia, desobedecia esse mesmo pensamento. Se na minha cabeça haveria determinada justificativa ou narrativa, tentava ver o oposto dessa situação. Se o meu corpo não se queria mover ou fazer, contrariava-o devagar para ele se ir habituando às novas rotinas. Claro que isto me fez bem e me fez mal, tenho uma tendência em ser da oposição, tenho que ter cuidado para ver se não estarei a ser da oposição ou a desobedecer a um pensamento menos bom. Houve ali uma linha muito ténue que tive que me aperceber.

Aos poucos com estas andanças comecei a criar mandalas, foram as minhas companheiras para poder ter o segundo critério - relaxar - sim, porque sou perfeccionista então combinei em conhecer a mim própria e a entender-me. As mandalas foram fantásticas para esse exercício, não só para notar que era perfeccionista como começar a conhecer a fundo o meu interior e é claro, descobri coisas muito más mas também muito boas. Engraçado que não damos o verdadeiro valor às coisas boas que temos? As coisas más têm tendência a nos incomodar mais…

Foi aqui que entrou a outra frase “ter outros pensamentos”, esta frase na altura não fazia muito sentido para mim, mas eu digo, que o cérebro é algo fascinante, ele treina-se e todos os dias somos postos à prova com esse treinamento. Aqui entrou a neuroplasticidade, procurar novos pontos de vista. E claro, acordou o meu fascínio pela psicologia. Aos poucos, enquanto me estudava e percebia os meus comportamentos pensava no ponto de vista do outro e como essa pessoa poderia interpretar a informação recebida e como se poderia expressar. Comecei a estudar psicologia, como curiosa, o ser humano começou-me a fascinar e é claro (em alguns casos) a desapontar também.

Eu até costumo referir que toda a minha exposição veio dessa mesma mudança de pensamento que tive e o engraçado é que na altura em que ocorreu nem me apercebi e só agora que olho para trás dá-me uma vontade de sorrir.

Antigamente tinha por hábito oferecer obras, cada vez que criava oferecia, não cobrava nada por elas. Durante vários anos da minha vida não possuo qualquer espólio artístico porque sempre fui amiga de partilhar, dar, oferecer. Esta exposição toda culmina em algo muito interessante - o dia em que tive para oferecer uma obra a alguém e essa pessoa não aceitou. Parece uma brincadeira, não é? Mas é verdade! Rejeitaram o meu trabalho e fiquei ofendida na altura… Mas hoje olho para trás e só queria agradecer a essa mesma pessoa porque com a minha natureza contraditória e com a estruturação que estava a ter de mim mesma fez-me abrir os olhos para uma série de coisas, mas lá está, para isso foi necessário ter novos pensamentos. Hoje em dia não lhe posso agradecer, mas fica uma pequena história para contar, um pouco cômica e um belo exemplo de como podemos alterar o nosso pensamento, obviamente que agora já não penso na situação em questão a vida segue e só quando olhei hoje de tarde, aqui, para os meus quadros e estava em silêncio com eles é que me lembrei - olha o que construíste. O que me modifiquei e o que continuarei a modificar ao longo da vida. A partir desse ponto, parece que tudo virou, foi um ponto de viragem, as minhas obras começaram a ser verdadeiramente apreciadas e fiquei a saber com quem me apoiava acima de tudo, tive apoios incondicionais que ainda se mantém (e ainda bem).

Acreditar, que através da minha expressão artística seja ela qual for consiga expressar o que tenho contido que sim muitas vezes são pensamentos tumultuosos mas que uma vez expressos acalmam-se e manifestam-se e não me voltam a atormentar, são assuntos que aos poucos ficam resolvidos e vou superando. Claro que entretanto vou encontrando outros, mas desde que escreva, pinte, crie isso acalma-me. Agora a questão que fica é mesmo essa, será que lido com essa comunicação inquietante? Ou será novamente uma tentativa de comunicação sem sucesso? Isso agora, nunca saberei…

Uma coisa é certa, cada obra representa para mim, diversos períodos na minha vida que foram representados, resolvidos e recriados. E é bom ver toda esta comunicação nas paredes de uma sala assim, vale a pena todo o esforço.



Poema

Comunicação Inquietante

de Irina Marques


Das linhas do imaginário cruzo espaços

florestas perdidas de derrocadas temporais

e sobre o que digo e falo

a expressividade irrompe numa espécie de discurso

sem curso, porque flui numa escapatória

esquecida numa linha temporal qualquer

posta de parte em tempos passados

argumentos não concretizados.

Procuro pela tão falada felicidade

para encontrar que me perdi

tento arranjar expressividade

para a ilusão que senti

de tentativas me fiz e ainda hoje tento

pelo menos não cometer tantos erros

como no passado que percorri.

Mas por mais desvios que tenha

irá sempre embater num verbo, palavra,

que ninguém vai perceber.

Porque vejamos, toda a minha criação

parte de uma frustração

qualquer perdida nas brumas do tempo

num âmago que não é encontrado nem localizado

uma peça que não encaixa

então crio um mundo à parte

aquele que denominam de arte

porque tudo é permitido na (ir)realidade da criação

com um toque de ilusão…

um toque em que construo o significado

de narrativas equivocado

dando ênfase ao que não está explicado

imaginando o que não é real.

E neste mundo que tenho toda a permissão

assim que quiser faço o desaparecer ou vir ao chão

porque das inquietações que me habitam

tenho muito a dizer

mas ninguém vai perceber.

Componho-me de mundos reais no meu imaginário

pessoas que em passados não cruzei apenas li

mistérios que tentei tocar mas apenas vi,

sou muitas mas não sou ninguém

escrevo para tentar alcançar além

e se tudo for fruto da minha imaginação

não quero saber, não, essa é a minha perdição.


(continua)


Entrevista dada na Biblioteca Publica de Barcelos

dia 08.04.2023


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