Podemos afirmar que o seu desejo de explorar a CI nasceu da sua observação do comportamento humano?
Também, conforme referi, esta comunicação inquietante surgiu a partir do momento em que comecei a estudar os nossos comportamentos humanos. Somos seres com tantas histórias, muitas delas comuns. A observação do ser, além… talvez tenha sido esse o meu mote. Não ficar pelo superficial mas sim por tudo o que faz com que cada humano tenha determinado comportamento. Vou fazer uma comparação um pouco estranha, quando pintamos uma obra, compomos essa obra de desenho, depois começamos por aplicar a primeira tinta, a segunda, terceira, e surgem os detalhes - a obra nasce por assim dizer. Com o ser humano é a mesma coisa, temos aquela imagem de alguém, mas vamos juntando determinadas composições e vamos percebendo como a pessoa em questão é quem é com suas convicções, feitios e modos, neste caso gosto de tirar essas camadas, e camadas e, camadas do qual o ser humano se compõe, no final de tudo vamos ver que tudo o que nos move é a mesma coisa. Somos seres compostos por camadas.
Mas a Comunicação Inquietante não surgiu apenas desta observação, esta observação, veio a seguir. Conforme referi, primeiro surgiu o Conhece-te a ti mesmo, que foi uma outra exposição que tive anteriormente a esta, que agora está incorporada nesta, porque todo este culminar pertence a essa construção - entendimento de mim e por consequência do ser humano em geral. E não generalizo, as pessoas não são todas iguais a mim, eu não sou igual às outras pessoas. Costumo dizer que somos todos iguais embora, cada um, com suas particularidades, temos nuances e pequenas diferenças em modos de estar, agir, comportar.
Posso dizer que no período anterior apercebi-me de que era um pouco impulsiva, também fruto da depressão que passava, com a medicação que tomei e afins, não estava em mim. A irritação, aborrecimento, impaciência, alterações de humor marcaram muito esse período da minha vida, mas foi algo que se trabalhou. Nessa altura, houveram alguns livros que me marcaram bastante, tinham temáticas interessantes, um deles foi o Daniel Goleman com a Inteligência Emocional, o qual, não vos vou saturar com os assuntos abordados mas foi um dos livros que me abriu os olhos para a psicologia. Ele fala de diversos tipos de comportamento como diferentes pessoas gerem as suas emoções, foi um abrir de olhos para mim. Depois andei a saltar de livro para livro para, cada vez mais, aprofundar determinados temas. Eu necessitei compreender-me para também ter a capacidade de compreender os outros. Antes da depressão vivi uma grande parte da vida a só compreender os outros a anular-me constantemente, não tive voz durante anos.
Muitas vezes observo, aquilo que guardamos quando não temos voz, tem que ser comunicado de alguma forma. Aqui já entra a observação do ser humano, porque todos, sem excepção, funcionamos assim. O que guardamos, sejam revoltas, amarguras, dores, pesos, essas emoções, inconscientemente têm que sair e, por vezes, refletimos nos outros essas mesmas perturbações e túmulos, grande parte das vezes a pessoa em questão não tem culpa das nossas emoções e nem nós sabemos (ou pelo menos temos consciência) que o estamos a fazer. Já as emoções positivas, são as mais aceites na sociedade, temos uma tendência a “aparentar” que estamos bem, e é verdade, muitas vezes estamos e estamos genuinamente felizes e a vida corre bem. O que vejo acontecer nestes casos é, poucas pessoas partilham da tua felicidade, apenas um pequeno número de pessoas o sente verdadeiramente, infelizmente, uma quota parte bem grande vai sentir ciúme e inveja e novamente digo, tudo fruto de emoções internas mal resolvidas, traumas e acontecimentos menos felizes.
Digo assim só a breve título de exemplo o caso de bully, dos quais muitas crianças e não só, adultos também, são vítimas. O bully não é mais que uma falta de auto-estima por parte de quem o faz, há falta de algo e só através da agressão de alguém “diferente” de um padrão de grupo é que faz subir a auto-estima desse agressor - cria-lhe uma falsa sensação de superioridade em relação ao outro. O triste desta questão é que a longo termo, quem fica com os traumas é o agredido e muitas das vezes, repete esse comportamento, num outro alguém. É uma espécie de reação em cadeia e esta reação em cadeia, não se prende apenas à infância, sofrer de bullying pode ocorrer a vida toda basta alguém se desviar de um comportamento normalmente aceite pela sociedade, isto é, fugir aos padrões. Claro está, que a pessoa que vive a vida toda com essa situação também aprende a identificá-la e a saber lidar com ela - e aqui temos muitas atitudes diferentes que ocorrem que vão desde o desprezo e desligamentos e outras a achar essas pessoas dignas de comédia, porque é fácil identificar nessas pessoas a sua falta de auto-estima, cada vez mais pronunciada. E lá está, estou apenas a dar um exemplo de um comportamento humano, um dos milhões que poderia falar ou referir. E vejamos, falo linhas gerais deste problema, que é um problema sério e deve ser tratado como tal.
Conforme digo, tudo se re-aprende, todos os nossos compartimentos estão lá, disponíveis para os visitarmos devagarinho e entender o que nos faz proceder de determinada forma e é sempre possível, com o tempo, entender que as várias pessoas passam por situações diferentes e isso vai fazer, elas reagirem de forma diferente na nossa.
(continua)
Entrevista dada na Biblioteca Publica de Barcelos
dia 08.04.2023
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