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Foto do escritorIrina Marques

O Surrealismo

Atualizado: 29 de out. de 2022

A pintura metafísica de Giorgio de Chirico, antecipa elementos que vão aparecer na pintura surrealista, o caso de padrões arquitetónicos, grandes espaços nus, manequins anónimos e ambientes oníricos. Os pintores surrealistas herdam do dadaísmo e não só, De Chirico, herdam diretamente as atitudes destrutivas e niilistas. O que o próprio artista qualifica de “pintura metafísica" corresponde à necessidade de sonho, de mistério e de erotismo tão própria do surrealismo. É assim que este movimento vê a luz na obra de Chirico e conhece um êxito considerável.

Os estudos psicanalíticos de Freud e as incertezas políticas criaram um clima favorável para o desenvolvimento de uma arte que criticava a cultura europeia e a frágil condição humana diante de um mundo cada vez mais complexo. A livre associação e a análise dos sonhos, ambos métodos de psicanálise freudiana, transformou-se nos procedimentos básicos do surrealismo, embora aplicados de modos próprios - por meio do automatismo, ou seja, qualquer forma de expressão em que a mente não exercesse nenhum tipo de controle, os surrealistas tentavam plasmar, seja por meios de formas abstratas ou figurativas simbólicas, as imagens da realidade mais profunda do ser humano: o subconsciente.

É a face desta realidade que surgem movimentos estéticos que interferem de maneira fantasiosa dessa mesma realidade. O surrealismo foi, por excelência, a corrente artística moderna da representação do irracional e do subconsciente. Suas origens devem ser buscadas no dadaísmo e na pintura metafísica de Giorgio De Chirico. Se os dadaístas propunham a destruição, os surrealistas pregavam a destruição da sociedade em que viviam e a criação de uma nova, organizada com outras bases. Desta forma, os surrealistas pretendiam atingir uma outra realidade, esta, situada no plano do subconsciente e do inconsciente. A fantasia, os estados de tristeza e melancolia exerceram grande atração sobre os surrealistas e, nesse aspecto eles se aproximam dos românticos, embora sejam muito mais radicais. O surrealismo deixa o mundo real para penetrar no irreal, pois a emoção mais profunda do ser tem todas as possibilidades de se expressar apenas com a aproximação ao fantástico, no ponto de onde a razão humana perde o controle.

A publicação do Manifesto do Surrealismo, por André Breton em 1924, marcou o nascimento do movimento, nele, propunha-se a restauração dos sentimentos humanos e do instinto como ponto de partida para uma nova linguagem artística. Para isso, era necessário que o homem tivesse uma visão totalmente introspectiva de si mesmo e encontrasse esse ponto do espírito no qual a realidade interna e externa são percebidas totalmente isentas de contradições. O manifesto é como algo que leva a uma auto-análise para uma sociedade mais justa. Seus objetivos consistiam em despertar a consciência e libertar o ser humano do peso das inibições e complexos, o recuperar da integridade e o libertar do espírito, André Breton, dá-nos uma justificação política.

Os surrealistas propõem vários níveis de significados, fazem compreender que não há materiais ou formas desinteressantes, tudo depende do espectador, romper limites da pequena realidade e afirmam a capacidade que o artista possui de mudar o olhar das pessoas, a libertação do modo de ver do indivíduo. Os objectos são de origem onírica, afectiva, experimental e automática (o caso de se ter um sonho e ao acordar passar logo ao seu registo), possuem uma realidade que o dadaísmo não tinha - o maravilhoso para além de que este movimento é mais emotivo e afetivo enquanto o dada, tem uma componente mais intelectual.

As estratégias e métodos usados foram, o estado de automatismo, o acaso, o sono provocado por hipnose, alucinações de diversas formas (desde fome, sono, drogas), a escrita automática, o uso de provocadores ópticos. Recorrência a tintas sopradas, ao frottage e às fotomontagens, à imagem múltipla, às monotipias e à colagem.

Preferem provocar processos internos dinâmicos com o fim de obter uma reflexão sobre nós e esta se encadeie noutras reflexões, é o ser humano mais consciente, desvendam medos, obsessões, repugnancias (o caso da "Chávena Forrada” e “My Norsemaid” de Meret Oppenhein) e inseguranças para tal fornecem narrativas fantásticas. Constroem algo extra-plástico, ultrapassam o interesse plástico (embora não seja uma constante em todos os surrealistas) e recusam o razoável e discreto. As suas temáticas incidem sobre a violência, dor, vários tabus, a solidão, a sexualidade, o sadismo, a crueldade e o erotismo.

São obras surrealistas a série de “Bonecas” de Hans Bellmer, está intrínseca uma revolta com a guerra, o nazismo e a iminência de guerra. Apresenta temas de bonecas torturadas, construídas do avesso, desmontadas apelando um pouco ao erotismo contrapondo-se o seu rosto frágil. Já Giacometti, num registo diferente do anterior, apresenta-nos outro tipo de figuras mais esguias (lembrando um pouco as estatuetas africanas em pau preto), o caso da “Tall Figures”, “Man Striding” e “Dog”.

Juan Miró, traz-nos um tipo de objectos mais poéticos, com coloridos que vão ao encontro do desenho infantil (encantando-nos), há um certo humor nas suas peças, visível em “Carnival of Harlequin”, Catalan Landscape” e “Person throwing a stone at a bird”. Este artista iniciou a sua formação na escola de La Lonja, em Barcelona, depois entrou na escola de arte de Francisco Gali, onde toma contacto com obras impressionistas e fauvistas francesas. Fas amizade com Picabia e futuramente Picasso e os seus amigos cubistas, tendo frequentado este grupo durante um tempo. Forma um grupo de amigos pintores, entre os quais estavam, Masson, Leiris, Artaud e Lial.

“La masía”, é uma obra fundamental no seu desenvolvimento estilístico posterior e na qual, Miró, encontra uma grande precisão gráfica, é neste ponto que a sua pintura mudou radicalmente. As suas obras caracterizam-se por seus traços nítidos e suas formas amigáveis para o observador. Miró também possui trabalhos em cerâmica e escultura, onde extravasa suas inquietações pictóricas.

Rene Magritte, ao ser classificado como surrealista, reagiu e disse que fazia uso da pintura com o objetivo de tornar visíveis os seus pensamentos. Mas foi de facto um surrealista e também um pensador.


O seu trabalho é sempre complexo e obriga ao raciocínio, à interpretação e ao estudo. Os quadros de Magritte não podem simplesmente ser vistos, precisam de ser pensados. Todo o surrealismo tem um trago de loucura que revela toda a genialidade. Exemplos das suas obras são “The Dangerous Liaison” (1926), “The Son of Man” (1926) e “Le seducteur” 81953). Opta por manter um nível de academismo mas apenas a nível da técnica. São suas obras a série “Traição de imagens” e “A condição humana”, onde se questiona o que será realmente a imagem a que diariamente somos permanentemente manipulados.

Não se pode falar de surrealismo sem referir o grande mestre Salvador Dali. O artista estudou em Barcelona e depois em Madrid, na Academia San Fernando. Aí, conhece Lorca e Bunel. As suas primeiras obras são influenciadas pelo cubismo de Gris e pela pintura metafísica de Giorgio De Chirico, depois desta fase, aderiu ao surrealismo, juntamente com o seu amigo Luis Bunuel, cineasta.

Em 1924, o pintor, foi expulso da Academia e interessa-se pela psicanálise de Freud, que irá reflectir a sua importância ao longo de toda a sua obra. Sua primeira viagem a Paris, em 1927, foi fundamental para a sua carreira, nela, faz amizade com Picasso e Breton contacta com a obra de Tanguy e do maneirista Arcimboldo. Cria o conceito de "paranóia critica", onde recusa a lógica que rege a vida comum das pessoas. No final dos anos 30 foi, várias vezes para a Itália a fim de estudar os grandes mestres. Conhece Sigmund Freud e, depois, viaja para a América, onde publicou a sua biografia “A Vida Secreta de Salvador Dali”, em 1942. Depois estabelece-se em Port Lligat com Gala, sua mulher. Desde 1970 até à sua morte dedicou-se ao desenho e à construção de seu museu. Além da pintura, ele desenvolveu esculturas e desenhos de joias e móveis.

O artista entrega-se a um realismo minucioso e, orienta para a obra uma recordação de paisagens de infância, com seres sobre-humanos, onde paralelamente se encontram o épico, o érotico e o místico. A sua temática é variada, vai desde a vertente onírica nos relógios moles de “A Persistência da Memória”; política em “Alucinação Parcial" e “ Seis Aparições de Lenine sobre um Piano”; religiosa no “ Cristo de São João da Cruz”, "Crucificação" e “A tentação de Santo António”; pictórica em “A Rendeira de Vermeer”. Entre todas as suas obras deve-se referir também “A Cesta de Pão”, “Mae West” 81934-35), onde inspirado numa cabeça de mulher constrói um espaço de ambiente surrealista, “A Madona de Port Lligat” (1949) e “Cabeça Rafaelesca estalando” (1951), nesta última obra mostra-nos uma técnica clássica de pintura, valoriza a arte plástica, a perspectiva e o desenho virtuoso.

Os espaços de Dali dão-nos uma sensação de que é possível caminhar lá, encontrando objetos muito estranhos, devido à sua componente clássica na pintura. Apresenta na exposição mundial de 1939 “O Sonho de Vénus” que consistia numa junção do fantástico com o erótico e foi considerada demasiado chocante.


- Texto por Irina Marques


Yves Tanguy, O Sol no seu Porta-jóias, 1937. Veneza, Coleção Peggy Guggenheim.

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