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Foto do escritorIrina Marques

O Caminho de Santiago - Minhoto Ribeiro VIII

Atualizado: 12 de set. de 2022

Estávamos então preparadas para continuarmos caminho, nesta próxima fase dirigimo-nos a Ribadalvia que ficava a cerca de 13 quilômetros de Cortegada, contudo criamos outras etapas na nossa cabeça para o caminho se tornar mais suportável. Neste trecho passariamos por Meréns, que se situava a 4 quilômetros e à mesma distância encontraríamos Arnoia - era como se estas pequenas aldeias marcassem objetivos, onde iríamos desfrutar do local e parar.

Não nos sentíamos cansadas quando chegamos a Cortegada, sabíamos que metade do caminho estabelecido para aquele dia já se encontrava feito e naquele ponto soube bem parar tomar café e restabelecer forças para continuar, não paramos muito tempo porque sabíamos que ao parar o cansaço poderia andar à espreita a qualquer momento e isso não poderia acontecer.

Passamos no interior de Cortegada e continuamos a seguir a sinalização que indicava o nosso caminho. Nesta fase o caminho entrava mais para os sopés das montanhas, as casinhas de pedra continuavam a formar pequenos aglomerados, o cheiro a vegetação e as belíssimas flores que começavam a despertar com a primavera acompanhavam-nos por todo o lado e as cores lilás, rosa, brancas, amarelas criavam cenários idílicos criando fontes de grande inspiração. A minha mente imaginava, criava dentro dela cenários e fantasias acompanhada de cores e musicalidades. Imensas coisas vinham-me à cabeça, outras, abandonavam. Foi já neste dia que os pensamentos se começaram a tornar muito profundos, havia abandonado o quotidiano diário de afazeres, encontrava-me em contacto com toda aquela natureza e, agora sem a chuva, a mente ficou mais liberta e começou-se a organizar. Uma coisa que ajudou nesta parte do percurso foi quando repousamos as nossas roupas e sapatilhas já haviam secado da chuva que tínhamos apanhado anteriormente, nesse aspecto, esta parte do caminho tornou-se mais suportável.

No meio de toda aquela beleza e caminhando em silêncio, onde o ritmo era apenas marcado pelos nossos passos num ritmo constante - viajei… Larguei o que me prendia, pensei no que podia, questionei o que deveria. Foi apenas uma das várias vezes que novamente sonhei acordada como antigamente fazia, mas num sonho em que me era permitido ver as coisas de forma clara. Existem momentos que não são fáceis de descrever em palavras, era algo demasiadamente profundo, algo que só tinha conseguido fazer ao realizar as minhas mandalas, uma conversa fantástica onde o entendimento sem julgamento era constante. Mas a conversa foi interrompida por música, a determinada altura, necessitei de desligar.

Neste percurso do caminho encontramo-nos entre sobreiros, carvalhos e pinheiros, era um cenário natural de uma beleza única, surpreendente, um pouco similar a toda esta região norte do nosso país. A Galiza é uma espécie de continuidade, eles próprios consideram-se nossos irmãos e falamos uma língua muito similar, qualquer pessoa que abordávamos no caminho entendia perfeitamente o português e nós, o espanhol. Muitas vezes eu tentava falar espanhol, até mesmo para praticar, a comunicação era compreendida por ambas as partes.

Em San Benito passamos por um miradouro e visitamos o exterior da Igrexa de San Benito do Rabino.



Em San Benito passamos por um miradouro e visitamos o exterior da Igrexa de San Benito do Rabino.

De seguida passamos pelo lugar do Muinos e continuamos pelo meio da vegetação num caminho em gravilha até Meréns. Esta foi uma paisagem muito bela, à nossa esquerda o Rio Minho continuava o seu trajecto sinuoso entre os vales e ao longe via-se a via ferroviária por onde o comboio passava. Ficou na ideia um dia fazer este trajecto de comboio.




Em Meréns passamos mesmo no centro da aldeia e subimos por um caminho que nos levou a à igreja paroquial, sabíamos que no interior da igreja existia um altar romano, contudo, a igreja encontrava-se fechada, continuamos pela direita e subimos até uma pequena povoação. Ainda não tínhamos passado por nenhuma igreja aberta, com exceção da primeira em São Miguel de Destriz.

Subimos mais um pouco e continuamos por uma caminho de terra entre muros, com algumas partes pavimentadas, até encontrarmos um outro caminho de terra mais amplo. Esta parte do percurso custou um pouco a fazer, foram as primeiras subidas mais íngremes que cruzamos, subimos um pouco as montanhas e percorremos sempre pelo meio da vegetação. Finalmente chegamos a Meréns e o primeiro objectivo de quase 4 quilômetros havia sido cumprido, faltavam os restantes 10.

Em Meréns, encontramos uma senhora na aldeia que nos indicou o caminho correcto, sabia que havia mais pessoas que haviam passado ali e devido à falta de sinalização se metiam para dentro dos campos e perdiam-se, novamente, apareceu uma pessoa certa no local necessário. Foi nesta parte do caminho que nos levaria a Lapela e Remil, que passamos pelas zonas mais bonitas até então percorridas. Aqui encontramos vários indícios da vida selvagem na zona, pegadas de rastos de animais, especialmente de javalis.



As árvores que se debruçaram sobre as pedras e o carreiro feito entre muros com poucos metros proporcionam um estado de leveza, descemos até chegar a Poldras, num local onde nos cruzamos com o rio Arnoia, perto do Mosteiro de Celanova e da igreja paroquial de S. Salvador.

A zona junto ao rio Arnoia, estava muito arranjada com parque de lazer e pontes em madeira que cruzavam o rio, aproveitamos e paramos para descansar um pouco e comer qualquer coisa. Os contrastes de luz com a vegetação verde proporcionava um bom local para contemplarmos um pouco a envolvência que se encontrava ao nosso redor e ainda encontramos alguns detalhes curiosos e engraçados neste local.




Voltamos ao nosso caminho após um bom descanso e agora íamos em direção a Paixón e Sendín, os vinhedos apareciam a pontuar e ornamentar a paisagem. Nestas localidades existem também dois altares romanos que se encontram no Museu Arqueológico de Ourense. Foi em Paixón que conheci um senhor com uma filosofia de vida muito interessante, ao pararmos para tomar café ele desabafou um pouco como achava que a vida funcionava e algumas teorias sobre deslocamentos através de portais, infelizmente não tive muito tempo para conversar com este senhor, queríamos alcançar Ribadalvia e parecia que ele queria desenvolver muito do seu assunto. O caminho relembrou-me muito de como as pessoas vivem o seu dia a dia, suas crenças, suas ideologias e seus objetivos e é interessante ver como nós seres humanos temos tantos pontos em comum mas também temos as nossas individualidades e convicções.

Continuamos até San Amaro onde predominava uma arte muito característica… presente em quase todas as casas.


Foi neste trecho do caminho que encontramos o Sr. Iglesias, enquanto eu me distraia com uma pequena cabra demasiado comunicativa que repetia os sons que ouvia, a São travou conhecimento com um senhor que se encontrava a pulverizar as suas vinhas, estivemos um pouco de tempo a falar com o senhor, que nos explicou como funcionava aquela fase da plantação e deixamo-lo para trás e seguimos caminho.

De San Amaro seguimos por uma estrada asfaltada até A Porqueira e pouco depois alcançamos as casas em Reza, onde antigamente havia uma embarcação que era usada para cruzar o rio Minho até à aldeia de Francelos que fica na margem oposta.



Aos poucos começamos a ver ao longe Ribadavia, o caminho seguiu por uma estrada asfaltada até chegar a uma ponte que atravessa o rio Minho. Ao chegar a este local fomos invadidas por um sentimento de grande felicidade, o nosso objectivo do dia estava comprido, tínhamos percorrido os 26 quilômetros que nos havíamos proposto, apreciamos toda a envolvência e detalhes do caminho, conhecemos algumas pessoas das localidades, tínhamos ultrapassado o esforço físico e mental e nas nossas cabeças, muita coisa começava a fazer sentido. Era apenas o primeiro dia de muitos outros que se iriam seguir. Neste dia, devido à proximidade com Portugal, o companheiro da São veio-nos buscar e pernoitamos em Melgaço.

Neste dia o cansaço começou a apoderar-se do corpo e os pés começaram a apresentar sinais que já os começava a massacrar.



Por Irina Marques

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