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Foto do escritorIrina Marques

Podia ter sido, mas não foi

Desde muito nova que tenho sonhos irrealizáveis - especialmente no que toca ao que poderia ter sido mas não fui. Lembro-me de quando tinha um certo fascínio por dinossauros, claro está, era deveras muito nova (antes dos dez anos, arrisco-me a dizer), nessa altura queria ser arqueóloga. A vida corre de formas estranhas, quando me formei em História da Arte, tive imensas cadeiras de arqueologia e ainda cheguei a estudar este universo mas não com aquela fascinação de quando era nova. Gostei do que aprendi mas já não me identificava com o assunto.


Segui história da arte porque sempre fui fascinada pela investigação, adoro aprofundar assuntos, não ficar pelo superficial e as obras de arte tinham esse efeito em mim, questões como:

  • O que se passava em torno da obra?

  • O que queria representar?

  • Qual o objectivo?

  • Em que contexto foi criado?

  • Que materiais se usou?

  • Quem era o artista?

  • Qual a vida do artista?


Tornei-me artista plástica e se me perguntarem se alguma vez estava à espera de me tornar a resposta é indefinida.


Quando andei no secundário segui a vertente de artes - contra a opinião de todos os familiares - devia ter seguido ciências ou letras ou qualquer coisa que tivesse futuro. Mas segui artes. A escolha foi fácil, sempre gostei de me expressar através da pintura, mesmo não sabendo interpretar o que queria exprimir, sempre me senti confortável com as tintas, os pincéis e as telas. As cores são como as minhas palavras, as formas, as minhas frases e em harmonia umas com as outras compõem a minha estrutura.

No secundário simplesmente adorei o que aprendi - perspectiva, luz/sombra, volumes, a figura humana, detalhes - na altura algo em mim despertou - a ideia do que vemos não passa de uma ilusão. Eu criava ilusões numa folha de papel, não era real - eram construções sobre construções. E desde essa altura que o surrealismo e a abstração começaram-me a assombrar. A ideia de não concreto, de sonho, de utopia, de diversas leituras estava presente nas minhas obras - acostumei-me com tal. Saber que o que eu queria representar não era aquilo que o observador apreendia. E novamente, poderia ter sido, mas não foi - a minha comunicação inquietante começou um pouco nesta fase - Estaria eu a fazer sentido?


Falar sobre abstração e surrealismo não é fácil, alguém entender, mais dificil é. Como artista plástica dizer coisas conforme referi em cima - As cores são como as minhas palavras, as formas, as minhas frases e em harmonia umas com as outras compõem a minha estrutura. - poucas pessoas entendem e, lá vamos nós, cair no rótulo do é bonito ou feio. Legítimo, as pessoas tem gostos, também os tenho não julgo. Mas existe um belo ditado que diz: Não julgues o livro pela capa, o mesmo se deveria passar com uma obra de arte não? Dever-se-ia entender o que lá está contado.


A obra de arte, ou o trabalho artístico - tão sujeito ao escrutínio público, sem se poder defender ou falar. Melhor, ela até pode e por vezes encontra-se fundamentada e explicada, mas nos dias de hoje as pessoas não têm paciência nem vocação para ler mais do que três frases. Então o trabalho podia ter sido, mas não foi.


Comunicação Inquietante

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