Quando crio uma obra, grande parte das vezes, desconheço o que está a fazer-me criar. Limito-me a sentir e expressar através de traços, cores, composição etc... Não crio com intuito de. Mas com o tempo e com os anos, apercebo-me que todas as minhas telas contam narrativas - desde a primeira até à última. No decorrer do processo criativo esses assuntos não me vêm à cabeça.
Conforme referi inúmeras vezes, cada obra conta um período da minha vida, algo sentimental que representei e só depois de um afastamento é que tive a capacidade de interpretar. É um pouco como quando passamos por uma determinada situação que se traduz numa emoção, seja ela qual for. No período que estamos com essa emoção a tomar conta de nós, não vemos as coisas claramente, provavelmente só mais tarde, quando a emoção acalma é que conseguimos tirar ilações e desconstruir o que se passou. Porque reagi assim? O que me fez agir de determinada forma? O que é que provocou em mim? Etc...
Quando pinto tenho o mesmo comportamento, sou tomada por estas emoções, sejam elas de felicidade, tristeza, euforia, melancolia,... algumas acrescentam ao meu trabalho, outras por sua vez, fazem-me não criar. Se é preciso estar naquele estado emocional concreto para a obra surgir? Não. Não existe estado emocional concreto, não existe ambiente perfeito, crio quando e onde tenho que criar. É claro que existem alguns locais e momentos que não proporcionam as condições para o impulso criativo. E o que funciona para uns não funciona para outros.
Nas minhas obras predominam alguns denominadores comuns: as emoções, o estado de espírito, as vivências, a sociedade, o conhecimento interno, o aprender e conviver com as emoções, a vertente psicológica e talvez (uma abordagem que prefiro não ter) filosófica, o ser humano e acima de tudo - as suas comunicações. Estas comunicações são muito vastas porque vão desde os discursos que temos com nós próprios aos que temos com os outros, e ainda, aqueles que se encontram escondidos no nosso inconsciente que á primeira vista não são interpretados corretamente e talvez, nem saibamos que os temos, mas que a sociedade nos incute de uma forma ou outra e tomamos decisões que nem pensamos muito bem o porquê.
Ao longo das minhas escritas, tento ir abordando várias temáticas sobre este assunto. Acima de tudo vou-me estudando ao longo dos anos, quer seja na componente da arte plástica que pinto, quer seja nas várias mudanças e metamorfoses que tenho, seja por adquirir mais conhecimento sobre determinados assuntos, seja por me começar a conhecer melhor. Considero-me uma pessoa em constantes mudanças, especialmente de opiniões, porque à medida que vou tomando mais conhecimento sobre determinado assunto a opinião inicial que tinha dilui-se e transforma-se numa outra opinião qualquer. Não sou muito de ficar agarrada às opiniões das outras pessoas, todas as vezes que isto aconteceu, errei redondamente daí questionar constantemente determinadas situações que me dizem, leio ou vejo em algum lugar. Daí os meus estudos e aprofundamentos sobre os truques que a mente usa para nos enganar: efeito Barnum, ilusão de aglomeração, viés de auto conveniência e erro de atribuição fundamental, efeito Zeigarnik, Halo, efeito de holofote, dissonâncias cognitivas, entre outros que poderão ser abordados. Estes estudos, não são algo inventado por mim, são sim, fundamentados à medida que é estudado o cérebro humano e pertence também ás nossas comunicações.
Depois existe algo que vem comigo desde sempre que é este fenómeno das ilusões. Quando pego em qualquer caderno antigo de poemas ou escritos é um tema muito comum nas minhas escritas. Hoje em dia, apercebo-me que um artista plástico, talvez não veja a realidade com o mesmo olhar que outras pessoas. Obviamente que isto não é exclusivo dos artistas plásticos, apenas posso falar do meu caso. Desde nova que para mim, toda a realidade é uma construção de camadas em cima de camadas e o que se mostra aos nossos sentidos, grande parte das vezes não é aquilo que aparenta ser - são construções. Quando pinto uma tela começo por algo que não está lá, não existe. Vou aplicando a tinta e criando algo com pinceladas a determinada altura, alguém que veja a minha tela vai-me dizer "parece isto, parece aquilo...", muitas das vezes não sendo de todo aquilo que eu estava a criar, e isso é completamente normal, vemos a realidade pelo nosso olhar. Ao continuar a obra e passar à segunda fase é normal alguém me dizer "pensava que ias fazer isto ou fazer aquilo...", novamente, não interpreto isto como críticas ou algo negativo, simplesmente observo que as expectativas das pessoas estavam em algo que não iria ser criado. Durante todos estes processos observo muito das nossas "ilusões", não só minhas - porque ao criar, é exatamente isso que estou a fazer criar a ilusão de. Mas o mesmo processo se passa com o observador da obra, para duas pessoas distintas o impacto da obra vai ser completamente diferente e vão ver algo naquela tela que antes de tudo era branca e feita em tecido de algodão.
No decorrer do tempo, gosto de observar e conversar sobre estas comunicações, estas ilusões estas, construções que fazemos dentro de nós e que nos levam a sentir e observar determinada obra. A obra em si, tem tanto para dizer, é um discurso, uma comunicação que se estende além da pintura, um dialogo entre artista e observador. E com isto quero dizer, as minhas telas falam, mas poucos percebem o que elas têm a dizer. Inclusive eu, criadora das obras, só as consigo entender passado um tempo de as ter criado porque durante o acto de criação estou focada em pintar e soltar as cores, que só futuramente serão interpretadas.
In Comunicação Inquietante
Irina Marques
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