Uma das grandes aprendizagens que vim a fazer desde o decorrer destes últimos anos incidiu sobre as emoções. Sou uma autêntica turbulência e tive que me educar neste sentido. Consigo passar de um estado de contentamento ou felicidade a um estado de tristeza profunda e frustração no decorrer de minutos várias vezes no decorrer do dia, assim como, algumas situações que marcam são capazes de permanecer por longos períodos de tempo, o caso da depressão é algo que tenho que estar atenta, ela anda sempre muito perto. O inverno, por norma, é a altura em que ela desperta e, como já sei como ela atua, começo desde cedo a tomar precauções - carinhosamente chamo o meu período de hibernação - registo os meus estados emocionais e tudo o que me puxa para baixo. Uma condicionante muito pesada é o tempo e ambiente, essa infelizmente não me permite ter controle sobre ela.
Durante as minhas demandas e após ter-se “soltado as correntes”, a primeira obra que foi oferecida à minha psicóloga soltou-se também os meus pequenos demônios. Porque ser criativa tem destas coisas, o mundo parece fantástico quando se realiza uma obra, mas por trás dessa obra está todo um processo de entendimento, aprofundamento, questionamento, observação e por vezes, esse processo leva-nos a caminhos muito escuros e nós só temos uma pequena vela a onde nos agarrar para conseguir iluminar o caminho que vamos seguir, contudo as sombras vêm connosco. Algo que compreendi é que eu e a minha sombra compomo-nos, a partir do momento em que a aceitei e deixei de lutar contra ela, percebi que ela tinha-me muito a ensinar. De acordo com Carl Jung:
“A sombra é um problema moral que desafia toda a personalidade do ego, pois ninguém pode-se tornar consciente da sombra sem um esforço moral considerável. Tornar-se consciente disso envolve reconhecer os aspectos obscuros da personalidade que estão presentes e são reais. Este acto, é a condição essencial para qualquer tipo de autoconhecimento”.
Este meu processo traduziu-se num outro, desta vez, “Soltar dos Gatos", uma obra enorme que estava com tanto receio de fazer. Novamente a geometria acompanhou o processo, necessitava sempre ter onde me agarrar algo que representasse um ponto de referência no meu universo caótico. Os quadrados de várias cores seriam os meus compartimentos, aqueles que deixamos esquecidos para trás, aquelas caixinhas que pesam na nossa vida e arrumamos nos armários de forma a não vermos a desarrumação que reside lá dentro. Apenas sabemos que pensar nelas nos transmitem determinadas emoções e como sempre fui muito visual, as cores representavam essas mesmas emoções. Obviamente que a analogia dos quadrados se estendeu a outras interpretações, as obras quando são feitas têm essa capacidade, modificar-se ao longo do tempo, serem atemporais, novas analogias podem ser criadas e outras perspectivas podem ser abordadas. Conforme o ser humano ganha maturidade a obra cresce e modifica-se com ele.
Agora, o porquê dos gatos? Essa é uma situação caricata, que resolvi colocar na obra para abordar as diversas formas para ver os nossos compartimentos. Na altura em que elaborei a obra tinha adotado dois gatos há poucos meses, eles faziam-me imensa companhia e, ajudaram-me bastante a passar pelos meus processos mais negativos. Como ainda eram novos, faziam imensos disparates e algumas situações faziam-me rir, era bom observá-los. Os gatos são seres curiosos (em ambos os sentidos) e, os meus tinham uma personalidade bem distinta um do outro, uma analogia que considerava engraçada. Para o quadro não ficar apenas pelos “pesos” que carregamos resolvi colocar o caracter curioso do gato a explorar essas caixas, no fundo era eu a procurar e a revisitar o meu passado, observando-o, procurando e pesquisando sobre ele. Cada emoção aos poucos era revelada, vista com outros olhos, e agregada e acalmada. Os gatos representavam a forma de reconhecimento dos meus sentimentos mais obscuros e a minha curiosidade em aprofundar o conhecimento que tinha sobre eles.
É claro que na altura quando elaborei a obra não a concretizei propositadamente, ela representou aquele período, em que depois de soltar as minhas correntes comecei a exploração ao interior para arrumar o meu passado, fazer as pazes com ele. Com o tempo e quando olho para esta obra (que é muito pessoal e encontra-se na minha coleção privada, pois não é para vender) vejo outros aspectos, posso traduzi-la para situações comportamentais da sociedade e a abordagem é válida na mesma, a coisa boa das obras abstratas é isso mesmo, um sem número de interpretações. O que ela significa para mim não tem necessariamente que significar igual para uma outra pessoa.
Soltar os gatos, representou um soltar da imaginação, um deixar de viver a realidade e voltar ao meu mundo imaginativo e simbólico, depois de soltar as correntes soltei a minha imaginação (e com ela todos os processos de associações possíveis e imaginários).
"Visita os teus compartimentos, devagarinho, com carinho e dá-lhes uma nova perspetiva, traduz em textos, cores, dança ou expressão, assim eles ficam mais leves e o seu significado poderá ter uma outra amplitude".
Soltei os Gatos
Acrílico sobre Tela,1.20m x 80cm x 4cm, 2018
Irina Marques
Irina Marques
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